A produtora de áudio e podcaster Jessica Almeida não se lembra com precisão o ano em que começou a endossar a prática de listar resoluções para o Ano Novo. "Na verdade, a primeira vez foi meio por brincadeira, junto a colegas de trabalho", rememora. No entanto, o que à época foi uma iniciativa pautada pela despretensão acabou sendo incorporada a cada 365 dias. Que fique claro: não como uma fórmula mágica que assegure a realização de todos os propósitos traçados – mesmo porque, Jessica afiança que nem se preocupa muito com a contabilização do que foi cumprido ou não. "É mais pelo efeito psicológico de poder elencar as metas e, portanto, fazer uma avaliação dos meus desejos e do que pretendo fazer com a minha vida."
Pode parecer inocente, mas a prática de pautar nossas intenções é mais benéfica do que se imagina. A psicóloga e autora mineira Amanda Marques ratifica essa importância. "Planejar, desenhar e acompanhar sonhos e metas é uma ótima forma de não nos perdermos de nós mesmos, em meio às tantas demandas que nos acompanham ao longo do ano. Fazer um exercício de colocar todas as áreas da sua vida no papel, ver o que cada uma precisa e decidir o quanto vai investir em cada (seja tempo, dinheiro ou energia) é um exercício que sempre oriento, especialmente no final do ano", confirma. De acordo com a especialista, o rol de resoluções serve como um instrumento para compreendermos se temos vivido ou somente sobrevivido.
Traçar e seguir um fluxo mínimo de objetivos, dentro das variadas nuances da vida ("como a individual, profissional, do casal, de lazer, de aquisições materiais ou definição de estudos") ajuda a vivenciar o dia a dia com mais propósito e foco, afirma. Mas a profissional faz uma ressalva: "Para além de ter essas metas escritas, é preciso tirar um tempo para meditar sobre elas, visualizar formas para que possam acontecer. Reavaliá-las ou adaptá-las ao momento vivido nos ajuda, também, a viver dentro da realidade e a não nos perdermos em possibilidades irreais".
Estudante de psicologia e artes plásticas, Alice Calixto, 21 anos, confessa que não costuma fazer listas físicas, mas, a cada final de ano, elabora uma retrospectiva mental e, daí, pensa o que poderia fazer no próximo. "Acredito que isso tenha se tornado um ritual mais concreto há quatro anos, quando entrei na universidade. Acho interessante esse clima que o final de ano traz, de se pensar em como poderia ser melhor no próximo." Ela pontua que, mesmo sendo apenas uma data, a passagem do ano carrega consigo a expectativa cultural do novo – e do melhor.
"E, assim, impulsiona muita gente a refletir e a tentar. É um ritual bonito e, acredito, motivador, mesmo sendo puramente ficcional, porque a concepção de termos algo novo, uma folha em branco, nos ajuda a pensar em fazer diferente. Em muitos casos, sem essa cultura das resoluções de Ano Novo, continuaríamos presos em rotinas e padrões de comportamento sem se questionar sobre eles, se é realmente aquilo que queremos", explica a estudante.
Missão dada, missão cumprida? Nem sempre. O fato de se listar propósitos não quer dizer, necessariamente, que conseguiremos realizá-los, todos, a contento. E tudo bem. "Me culpo zero. Se for para virar mais uma fonte de sofrimento, no meio de tantas que a vida já nos impõe, perde o sentido. Acho importante olhar para a lista, celebrar o que foi alcançado e refletir sobre o que não foi. Ou seja, sobre as razões das ‘falhas’ e, a partir daí, pensar em formas de corrigi-las, mas sem esse peso da culpa", afirma Jessica.
Tal como Jessica, Alice também não vê sentido em sofrer se, eventualmente, chegar ao final do ano sem ter marcado um X em determinada resolução. "Penso que é importante compreender que nós, seres humanos, somos desejantes. Ou seja, enquanto estivermos vivos, vamos sempre desejar ter algo que não possuímos ou ser o que não somos. Então, busco não me culpar por não ter realizado algo que desejei".
Na verdade, a estudante procura refletir sobre o porquê de aquela meta não ter sido a prioridade dela naquele ano, bem como sobre o que é possível fazer para que seja alcançada no novo (se tal resolução, claro, ainda fizer sentido). "Isso é visível até no âmbito dos desejos realizados. Depois que atingimos algo que queríamos, somos tomados por novos desejos, que nos movem e nos dão essa energia de sempre estar buscando. A frustração com o não cumprimento de uma resolução às vezes é inevitável, mas ela pode ser vista com outro olhar, de indagação mesmo, que promove, novamente, esse movimento e, assim, contribui para o autoconhecimento."
Amanda Marques alerta que é sempre bom lembrar que nossos propósitos devem ser reais. Porque, no que tange à decepção quanto a resoluções não cumpridas, muitas pessoas se frustram por criarem metas não alcançáveis. "Um exemplo é dizer que vai perder muitos quilos e fazer ginástica todos os dias. Quem tem filhos, por exemplo, a cada dia tem um desafio e, desse modo, muitas vezes é atropelado pelos acontecimentos". Assim, avalia, como não está conseguindo fazer o "irreal", a pessoa acaba desistindo. "O famoso 8 ou 80".
Para ela, é preciso, pois, colocar em mente que a disciplina antecede a espontaneidade. "É preciso que façamos o que é possível sem a exigência do perfeito, pois esse não nos permite viver a vida real. Acorde com o objetivo de fazer o que for possível, estabeleça, metas reais e varie as possibilidades, as frequências e as quantidades para dar margens para o imprevisto e incontrolável que nos acontece diariamente". Porque não, por exemplo, substituir a promessa de fazer uma hora e meia de academia todos os dias da semana por 30 minutos diários de caminhada, aumentando o propósito aos poucos, na medida do possível?
Em um espectro mais amplo, Amanda enfatiza que ser feliz requer cuidado e atenção. "E somente nós mesmos podemos cuidar daquilo que importa para a gente, a fim de realizá-lo. Então, invista um tempo, pare, avalie e busque reconectar com o que você realmente deseja neste ciclo que se inicia. Ouse e busque o que pode trazer o diferente, o novo, e preencher os dias com mais alegria e produtividade. Elimine excessos, vícios e relações que não contribuam para o crescimento. O Ano Novo pode começar agora com uma postura interna de querer o NOVO!", conclui.