Revista Encontro

SAÚDE

Canetas emagrecedoras, como a Ozempic, viram fenômeno global

Apesar das poucas contraindicações, facilidade de uso e resultados rápidos, essas 'armas' contra a obesidade só devem ser usadas com indicação médica

Aline de Almeida
- Foto: Pádua de Carvalho/Encontro
Desde que os anoxerígenos à base de anfetaminas caíram em desuso no Brasil, primeiramente pela proibição da Anvisa, em 2011, depois pela decisão dos médicos de não mais prescrever, a indústria de medicamentos precisou se reinventar para atender a um mercado que, de forma preocupante, não para de crescer: o da obesidade.
.

Paralelamente ao banimento dessas substâncias – medicamentos com ação no sistema nervoso central e muitos efeitos colaterais –, o laboratório dinamarquês Novo Nordisk apresentou ao mundo, em 2010, a liraglutida, uma substância desenvolvida inicialmente para tratar a diabetes, que se tornaria precursora de um fenômeno global nunca antes visto nesta indústria, o dos chamados "agonistas dos receptores de GLP-1".
.

GLP-1 é um hormônio produzido pelo intestino que sinaliza ao cérebro que estamos alimentados, diminuindo o apetite. Ao aumentar a produção de insulina, regular o açúcar no sangue e induzir uma sensação de saciedade, esses medicamentos de aplicação subcutânea levam a uma perda de peso significativa.
.

Em 2017, o mesmo laboratório lançou a semaglutida, mais potente, com o nome de Ozempic, também inicialmente para tratar a diabetes tipo 2. O efeito secundário da droga, o emagrecimento, chamou atenção. Em 2021, a Novo Nordisk lançou um segundo produto à base de semaglutida, o Wegovy, desta vez voltado ao tratamento de obesidade. Também foi um verdadeiro boom.
.

Os números falam por si: a Novo Nordisk se tornou, em 2023, a empresa mais valiosa da Europa (US$ 623 bilhões), superando a marca de luxo Moët Hennessy Louis Vuitton (US$ 408 bilhões). O faturamento da empresa ajudou a Dinamarca a evitar a recessão, já que o setor farmacêutico foi um dos principais responsáveis pelo crescimento de 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto) do país – mais de quatro vezes o crescimento da Zona do Euro, que fechou em 0,4%. Só no Brasil, foram R$ 3 bilhões em vendas em 2023 – apesar do preço salgado de R$ 1.000 a caneta, que dura um mês.
.

"O Ozempic foi um divisor de águas na endocrinologia. A sua grande vantagem é o controle eficaz da glicemia, a perda de peso significativa, de acordo com a continuidade do tratamento, e a redução do efeito cardiovascular, que é importante destacar", disse o endocrinologista e nutrólogo Lenio Pinho. Ele ressalta ainda a facilidade de uso: a aplicação uma vez por semana, pelo próprio paciente, aumenta a adesão em relação aos medicamentos de uso diário. "Isso se resume numa melhora do estilo e da qualidade de vida do indivíduo."
.

Camila Machado, secretária, iniciou a luta contra o peso após a segunda gravidez e passou por diversos métodos; hoje, tenta resultado com a tirzepatida - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroO médico Jean Eldin concorda. "Esse é um grande benefício, principalmente para aqueles pacientes que têm indisciplina, que não conseguem tomar os medicamentos todos os dias. No caso de comprimidos, como o Olistat, que impede a absorção de gordura, para funcionar o paciente tem que tomar no horário correto, antes das refeições", explica.
.

A empresária Júlia Mongorato é um exemplo de paciente "indisciplinada". Ela conta que sempre esquece de tomar seus medicamentos de uso contínuo. "Eu pulava um dia, ou tomava em horários diferentes. Então, quando passei a usar a caneta semanal, isso melhorou bastante", conta. Júlia tem uma relação tumultuada com a balança desde a infância. Diz que sempre foi gordinha e, na adolescência, se tornou dependente dos anoxerígenos. Também acabou desenvolvendo bulimia. Hoje, aos 47 anos, conta que a luta continua.
.

"Passei alguns períodos da minha vida bem comigo mesma, mas, mesmo quando eu estava magra, eu achava que estava gorda". No momento, ela está usando a semaglutida, o Wegovy, após procurar novamente um médico. "Não posso dizer que foi uma grande maravilha, mas me ajuda a controlar a compulsão. Não emagreci muito não, mas perdi alguns quilos", diz.
.

Recentemente, a empresária ficou sabendo de um novo medicamento injetável, a tirzepatida, princípio ativo do Mounjaro e do Zepbound, medicações de uso subcutâneo semanal produzidas pelo laboratório americano Eli Lilly. "Até falei com meu médico, mas ele disse que será preciso fazer uma cuidadosa transição", conta.
.

Lenio Pinho, endocrinologista e nutrólogo: "O Ozempic foi um divisor de águas na endocrinologia." - Foto: DivulgaçãoO Moujaro, que ainda não está disponível no mercado do Brasil, mas já tem aprovação pela Anvisa e pode ser prescrito,  e o Wegovy estão entre as medicações para emagrecimento mais populares no mundo. E, apesar de ambos serem eficazes, um estudo clínico apontou que o Mounjaro promoveu uma perda de peso relativa 47% maior, levando a uma perda de peso de 20,2% da gordura corporal, superior quando comparada a 13,7% do concorrente. No entanto, o medicamento é ainda mais caro que o Ozempic: seu preço pode variar entre R$ 1.752,58 e R$ 3.952,37. Quem o utiliza precisa trazê-lo do exterior ou comprá-lo das clínicas que o importam.
.

Aos 28 anos, a secretária Camila Machado sofre com excesso de peso desde os 20, após a segunda gestação. "Eu pesava 51 kg e cheguei a 85 kg", conta. Agora, ela está usando o Monjauro. "Tentei diversos métodos: medicamentos para inibir o apetite, tratamentos médicos, Saxenda, com o qual não me adaptei, e depois Ozempic. Tive amigas que usaram o Ozempic e tiveram excelentes resultados, mas eu não tive o mesmo resultado que elas. Recentemente, comecei a usar a tirzepatida. Eu me adaptei melhor, não tive enjoo e senti um impacto melhor na redução do apetite". Na última vez que pesou, Camila estava com 62 quilos. "Estou satisfeita com o resultado".
.

Com a quebra de patente do Ozempic prevista para 2026, laboratórios já se movimentam para fabricar a semaglutida. A EMS desembolsou  R$ 70 milhões em uma nova fábrica, que foi inaugurada em Hortolândia (SP), em setembro passado, e deverá produzir biossimilares, assim como a Hypera Pharmar. A Cimed é outra que está de olho nesse filão, um movimento que é global, assim como as farmacêuticas chinesas.
.

Em forma de comprimido 


Na esteira do fenômeno mundial das canetas emagrecedoras, novos análogos de GLP-1, ainda mais potentes, estão em desenvolvimento pela indústria farmacêutica. "Existe, inclusive, a expectativa de que sejam formulados em comprimidos, que a pessoa poderá tomar uma vez por semana e ter o mesmo efeito dos injetados. Além disso, nas injetáveis, a tendência é que sejam reunidos mais moléculas no mesmo medicamento, aumentando sua eficácia", afirma o médico Jean Eldin, especializado em endocrinologia e nutrologia. "Outros medicamentos que vão surgir prometem combinar ainda a essa fórmula o Glucacon, hormônio liberado quando os níveis de glicose no sangue caem, sinalizando ao fígado para liberar a glicose armazenada", acrescenta Lenio Pinho, sobre uma melhora metabólica e energética dos pacientes.
.

Alguns estudos focam, segundo ele, nos moduladores de grelina e leptina, medicamentos de controle hormonal relacionados à fome. "Os moduladores de grelina e leptina são medicamentos para o futuro".

Uma outra abordagem promissora, de acordo com Lenio Pinho, refere-se ao controle do "efeito-sanfona": o desenvolvimento de fármacos que tratam o ponto de equilíbrio do peso corporal para segurar o organismo e evitar a recuperação do peso perdido. "Temos ainda muitas promessas relacionadas à intervenção metabólica avançada, terapia gênica, terapia genéticas e epigenéticas, que estão sendo estudadas relacionadas a metabolismo basal e influência dos genes ligados ao armazenamento de gordura. Mas nenhum medicamento deve ser tomado de forma isolada, sem o acompanhamento de um trabalho focado na mudança comportamental do paciente", diz o médico.
.

Segundo ele, a tendência no tratamento de emagrecimento segue cada vez mais para uma abordagem holística e integrativa.

"Rosto de Ozempic"


Embora o Ozempic seja eficaz na perda de peso, é fundamental estar atento aos efeitos colaterais que podem surgir: flacidez facial, constipação intestinal, enjoo e fadiga são alguns deles. Acompanhamento médico contínuo, cuidados com a alimentação, exercícios físicos e tratamentos estéticos podem ajudar a minimizar esses efeitos e garantir uma perda de peso mais saudável e equilibrada.
.

Um dos mais impactantes é a alteração estética no rosto, que ocorre devido à perda de gordura e, frequentemente, de massa muscular. O efeito acontece especialmente em pessoas que não praticam atividades físicas. Como resultado, o rosto perde volume, principalmente nas bochechas, o que pode levar à chamada "queda" da estrutura facial. Para amenizar esses efeitos, tratamentos dermatológicos podem ser eficazes, além da recomendação de suplementação de proteínas e a prática de exercícios para fortalecer a musculatura facial.
.

Outro efeito comum é a fadiga, um cansaço que pode interferir nas atividades diárias e está relacionado à redução da ingestão alimentar, causando deficiências vitamínicas e anemia. O médico Lenio Pinho alerta que a falta de nutrientes essenciais pode piorar a sensação de cansaço, sendo importante monitorar e tratar essas deficiências com a suplementação adequada.
.

A constipação também é consequência que pode ocorrer. De acordo Pinho, o GLP-1, presente na medicação, atua no sistema digestivo, retardando o esvaziamento gástrico e afetando os reflexos naturais da evacuação. Isso pode resultar em dificuldades para ir ao banheiro, algo que ocorre em função do impacto do remédio no sistema nervoso intestinal.
.

Medidas simples, como aumentar a ingestão de líquidos, fibras e o uso de probióticos ajudam a normalizar a situação. A prática de atividades físicas também é recomendada para ajudar a manter o sistema intestinal funcionando corretamente. Em casos mais persistentes, o uso de um laxante leve pode ser necessário.
.

Ozempic falsificado: Anvisa e Novo Nordisk fazem alerta


- Foto: ShutterstockDiante de relatos de pessoas que passaram mal devido à utilização de Ozempic supostamente falsificado, a Novo Nordisk, fabricante do medicamento, foi a público alertar para os riscos e ensinar os consumidores a identificar as canetas verdadeiras, assim como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Confira abaixo, orientações gerais à população e aos profissionais de saúde. Fique atento!

  • A caneta de Ozempic é de cor azul clara, com o botão de aplicação cinza.

    .
  • Se a embalagem do medicamento estiver rasurada ou visivelmente alterada, em idioma estrangeiro, com aparência farmacêutica (apresentação) diferente da registrada e com informações incorretas sobre o produto – o Ozempic 1mg é vendido apenas em canetas pré-preenchidas injetáveis - desconfie.

    .
  • Preços muito abaixo dos praticados no mercado regular de farmácias e drogarias também são suspeitos.

  • Adesivos e indicações de "nova fórmula" ou informações semelhantes – a Novo Nordisk não lançou nenhuma nova fórmula de Ozempic desde sua chegada ao mercado, em 2019 - não devem ser considerados.

    .
  • Canetas de Ozempic 1mg com numerações no seletor de dose diferentes de 0mg e 1mg são falsas.

Confira abaixo as características de cada medicação contra a obesidade


Ozempic (Semaglutida)

  • Indicação Principal: Tratamento de diabetes tipo 2, com uso off-label para perda de peso.

    .
  • Dose Inicial: 0,25 mg/semana (pode aumentar para até 1,0 mg/semana).

  • Benefícios: Controle da glicemia, redução do apetite e perda de peso.

  • Efeitos Colaterais Comuns: Náuseas, vômitos, diarreia.

    .
  • Duração do Tratamento: Uso contínuo com acompanhamento médico.

  • Preço: entre R$ 1.063 e R$ 1.299

Wegovy (Semaglutida)

  • Indicação Principal: Tratamento da obesidade e sobrepeso.

    .
  • Dose Inicial: 0,25 mg/semana (até 2,4 mg/semana para adultos).

  • Benefícios: Redução de peso significativa, controle de glicose em casos de obesidade com diabetes tipo 2.

  • Efeitos Colaterais Comuns: Náuseas, diarreia, distúrbios gastrointestinais.

    .
  • Duração do Tratamento: Uso contínuo com acompanhamento médico.

  • Preço: entre R$ 1.227,99 e R$ 1.298,83

Saxenda (Liraglutida)

  • Indicação Principal: Tratamento de obesidade e sobrepeso.

    .
  • Dose Inicial: 0,6 mg/dia (aumenta até 3,0 mg/dia).

  • Benefícios: redução significativa do peso corporal, indicado para pacientes com sobrepeso ou obesidade, especialmente com comorbidades associadas (como diabetes tipo 2).

    .
  • Efeitos Colaterais Comuns: Náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal.

  • Duração do Tratamento: Uso contínuo com acompanhamento médico.

  • Preço médio: R$ 1.052,51

Monjauro (Tirzepatida)

  • Indicação Principal: Tratamento de diabetes tipo 2 e controle de peso (ainda não comercializado nas farmácias do país, podendo apenas ser importado)

  • Dose Inicial: 2,5 mg/semana (aumenta até 15 mg/semana).

  • Benefícios: redução do peso corporal, melhora significativa no controle glicêmico.

  • Efeitos Colaterais Comuns: Náuseas, dor abdominal, diarreia, diminuição do apetite.

  • Duração do Tratamento: Uso contínuo com acompanhamento médico.

  • Preço vai variar de R$ 1.752,58 a R$ 3.952,37
.