O universo lúdico faz parte da trajetória da atriz Paola Ferrara: "Ele me remete às histórias contadas pelo meu pai quando eu era criança e acabou se transformando na maneira como diálogo com a vida" - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroQuando se pensa em brinquedos é claro que também se pensa em produtos para divertir a criançada, correto? Errado! Nos últimos anos, o universo dos kidults está cada vez mais acelerado, se transformando em um verdadeiro fenômeno de comportamento e de consumo. O termo tem origem na fusão de duas palavras em inglês: Kid (criança) + Adult (adulto) e remete a pessoas que, apesar da rotina atribulada, encontram tempo livre para se entregarem a brincadeiras e passatempos infantis. Então, não se assuste ao se deparar com um adulto se divertindo com coleções de bonecas Barbie, pogobol, pelúcias da Disney, miniaturas de carro Hot Wheels, jogos como Banco Imobiliário e Tamagotchi, além de vários outros brinquedos que marcaram a infância dos nascidos nas décadas de 1980 e 1990.
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A conexão com produtos e serviços do passado é ainda mais presente na chamada geração Millenials, nascida entre 1982 e 1994 e conhecida por estar diretamente conectada à tecnologia. Para eles, gastar com a compra de brinquedos para si mesmos ou para seus filhos – para que sejam compartilhados, é claro – não é sinônimo de imaturidade mas, sim, uma forma saudável de abstrair os problemas e se conectar com algo que lhes faz bem. Isso inclui desenhos animados, heróis, figuras de ação, jogos e tudo aquilo que esteja associado ao período da infância. Afinal, como deixar cair no esquecimento desenhos como Ursinhos Carinhosos, He-man, Smurfs, Corrida Maluca, Thundercats, Caverna do Dragão, além de vários outros que reacendem tantas memórias afetivas?
A curadora de gastronomia e food stilyst Gabriela Gontijo trouxe da infância a paixão pelas Barbies: "Sempre enxerguei o protagonismo feminino que a Barbie transmite, com toda a sua independência e empoderamento", diz, com sua coleção de bonecas - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroQuem acompanhou cada uma dessas produções sabe o motivo de tanto entusiasmo e saudosismo. E embora a nostalgia nem sempre seja tida como algo positivo, estudos apontam que trata-se de uma emoção benéfica, quando conectada a boas lembranças. "Esse universo lúdico é a minha forma de existir e de dialogar com a vida", diz a artista Paola Ferrara. Em sua infância, as histórias contadas pelo pai e as brincadeiras em família influenciaram na adulta em que se transformou. "Era um mundo cheio de magia. Acabei buscando a arte para manter essa conexão. Quando engravidei do meu filho, eu me permiti ser criança novamente. Queria oferecer a mesma troca que recebi do meu pai."
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A indústria de brinquedos logo identificou mais um nicho de mercado e criou serviços e produtos pensados para atender às demandas dos kidults. O aumento das vendas no auge da pandemia da Covid-19, que a princípio foi entendido como uma forma dos pais manterem seus filhos "ocupados", acabou surpreendendo e impulsionando o setor. De acordo com a NPD Group, empresa norte-americana de pesquisa de mercado, compradores kidults foram decisivos para o crescimento de 37% nas vendas de brinquedos nos EUA em dois anos, chegando à cifra de 28,6 bilhões de dólares em 2021. Segundo a Bloomberg, empresa de tecnologia e dados para o mercado financeiro, 58% dos adultos entrevistados naquele período compraram brinquedos e jogos para uso próprio.
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O professor Rodrigo Robleño, que também é palhaço, dá um conselho a quem quer se conectar com seu lado infantil: "Brinquem, sejam o suficientemente adultos para olhar para a vida com olhos de criança" - Foto: DivulgaçãoEntre as apostas do mercado estão os brinquedos colecionáveis. Quando era pequena, a curadora gastronômica e food stilyst Gabriela Gontijo, da A Chef Art of Catering & Home, era encantada com as bonecas e seus acessórios, especialmente as Barbies. "Sempre enxerguei o protagonismo feminino que a Barbie transmite, com toda a sua independência e empoderamento. E mesmo que o universo dela não seja real para a grande maioria das pessoas, entendo que nos diz que podemos ser e fazer o que quisermos." A paixão acabou influenciando sua profi ssão. Em sua empresa, as mulheres é que comandam e fazem o negócio acontecer. Mãe de duas meninas, em sua casa não são só as crianças que têm bonecas. "Elas têm as Barbies delas e eu tenho as minhas da Barbie Collection, que a apresenta em várias versões. Essas ficam guardadinhas nas caixas", diz Gabriela.
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Durante a 9ª edição da Abrin, em 2023, maior feira de brinquedos da América Latina, a temática foi abordada no painel "Kidults: a nova e lucrativa tendência da indústria de brinquedos". "Após a pandemia, esse mercado vem numa crescente evolução", afirmou o diretor de marketing da Estrela, Aires Fernandes. Em 2022, a empresa já havia anunciado parceria com a Ri Happy no lançamento de dez brinquedos que foram sucesso em décadas anteriores, entre eles o Aquaplay e Snif Snif. Mas não são apenas os tradicionais jogos e brinquedos que povoam o universo dos kidults. "Nesse cenário, percebeu-se a necessidade de investir em atrações planejadas e que atendessem a públicos de todas as idades. Assim se consolidaram as exposições interativas, que permitem que o espectador interaja com as obras presentes", diz Jeff Neale, produtor da Blow Up Brasil.
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Na casa da jornalista Iana Coimbra não podem faltar brinquedos e muito menos a vontade de brincar: "É uma forma de deixar a vida mais leve, de estar em sintonia com os meus filhos e de me conectar com a criança que existe em mim" - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroO professor e futuro museólogo Rodrigo Robleño, de 57 anos, também atua como palhaço. Na adolescência, passou a trabalhar com crianças e nunca mais deixou de lado o universo infantil. "É a forma que encontrei para recuperar a ludicidade daquele tempo", diz ele. Para Rodrigo, o vínculo com a infância ajuda na formação de adultos melhores. Com o objetivo de criar um museu de brincares e saberes, o artista coleciona de tudo um pouco, além de também não abrir mão de participar como voluntário no movimento escoteiro, atividade que foi "muito útil na infância e adolescência". Conectar-se com a infância, diz Rodrigo, é fortalecer os vínculos da vida, permitir-se brincar, ir além do cotidiano. "Num mundo onde muitos acham que sorrir é não ser competente, mostramos que a leveza da infância tem muito a contribuir para superarmos as dificuldades do dia a dia". Se pudesse dar um conselho, ele diria: "Brinquem, sejam o sufi cientemente adultos para olhar para a vida com olhos de criança"
Na casa da jornalista Iana Coimbra não podem faltar brinquedos e muito menos a vontade de brincar. Mãe de um casal de filhos, ela recorre aos objetos para se conectar com eles e resgatar o que gostava de fazer em sua infância. "É uma forma de deixar a vida mais leve e de estar em sintonia com eles". Entre os passeios prediletos da família estão visitas a festivais de quadrinhos, idas ao cinema, pedalar ao ar livre e andar de patins. "Algo que eu amava fazer quando criança e que acabei resgatando após ser mãe."
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