Como a Cannabis medicinal pode ajudar no bem-estar dos animais

Mesmo tendo enfrentado as difíceis consequências da grave cinomose canina, o cãozinho Caramelo, hoje com 4 anos, lutou e sobreviveu. Na tentativa de aliviar os sintomas e dar mais qualidade de vida ao animal, sua médica veterinária lhe prescreveu o uso do óleo de canabidiol como terapia complementar. O resultado surpreendeu. "Antes ele choramingava constantemente por conta dos incômodos e da dor. Depois que passou a fazer uso do  medicamento, ficou mais calmo, o intestino começou a funcionar melhor, passou a se movimentar mais e os espasmos diminuíram", afirma seu tutor, o fotógrafo Bruno Rafael Correa Ribeiro. Emocionado, completa: "Antes ele tinha muita dificuldade para dormir. Agora, consegue até sonhar"

São muitos os relatos de profissionais e tutores sobre as respostas positivas ao uso de medicamentos à base de Cannabis. No final de outubro de 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou profissionais habilitados pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) a receitar o produto para tratamento de dores crônicas, doenças neurológicas e condições associadas ao envelhecimento dos animais.

A médica veterinária Ina Beatriz de Freitas Schmidt conta que começou a se interessar pelos benefícios da Cannabis a partir de um tratamento realizado por sua avó. Ela sofria com convulsões e o medicamento convencional a deixava dopada. "Quando, por recomendação médica, ela passou a tomar o óleo de canabidiol, tudo mudou. Voltou a interagir com a família e ganhamos a nossa avó de volta", diz. Desde então, Ina passou a estudar os efeitos do produto também em animais por meio da medicina veterinária integrativa, que previne e trata doenças a partir da alimentação e de outras terapias naturais.

O cãozinho Caramelo é um de seus pacientes. Em 2023, quando foi resgatado, o pet já apresentava sinais da cinomose, doença grave e altamente contagiosa entre cães não-vacinados, e que pode atingir todo o sistema nervoso central, respiratório, gastrointestinal, além da pele do animal. Com alto índice de mortalidade, especialmente em filhotes, os pets que sobrevivem ao vírus tendem a ficar com sequelas irreversíveis, como a perda da coordenação motora e as intensas mioclonias, alteração neurológica que se caracteriza por contrações musculares involuntárias e repetitivas. O tratamento com óleo de canabidiol veio trazer qualidade de vida ao pet, diz a profissional.

Já a especialista Sabrina Oliveira Fonseca conta que também se interessou pelo uso medicinal da cannabis e acabou se especializando no tratamento para cães e gatos. A diferença do medicamento utilizado nos pets para o de uso humano, explica a médica veterinária, está na dose. "Para os animais, a dosagem e a concentração dos canabinóides geralmente são menores, levando em consideração o porte, o peso e a doença a ser tratada", ressalta.

Apesar dos benefícios da planta, a especialista orienta que o uso não pode ser indiscriminado. "A Cannabis é contraindicada para pets com problemas cardíacos, hepáticos, hipersensíveis a sua composição, entre outros. Por isso, administrar o óleo por conta própria pode trazer vários danos à saúde dos animais", alerta.

Quando o tratamento é feito da forma adequada, os benefícios são muitos, relatam os tutores. Que o diga Tassiana Lúcia Moreira Almeida, "mãe" do Chico, SRD de 2 anos e 6 meses. Ela conta que há um ano a vida do cachorrinho tem mudado muito, e para melhor. "Ele sempre sofreu com a imunidade baixa e disfunções gastrointestinais. O tratamento com a Cannabis tem ajudado a estabilizar o seu organismo", conta.

O óleo de canabidiol é um extrato obtido da Cannabis sativa, planta originária da Ásia que vem sendo cultivada há milhares de anos pelo mundo todo. Ainda tabu para muitos, por ser relacionada à maconha, há que se ressaltar que o canabidiol (CBD) é apenas um dos 80 canabinóides presentes na espécie e não produz os efeitos psicoativos.

De acordo com a Agência Brasil, o Conselho Federal de Medicina Veterinária alerta que, mesmo com a permissão para prescrever, os profissionais da área "precisam de conhecimento sólido e aprofundado", já que "as dosagens e aplicações requerem cuidado específico e ajustado a cada caso". Segundo a norma aprovada, "os veterinários só poderão prescrever esses produtos em receitas especiais a serem retidas nas farmácias, assim como já acontece com outros medicamentos controlados".

O histórico da liberação de medicação à base de Cannabis tem uma longa trajetória no Brasil. Em 2014, a Justiça autorizou, pela primeira vez, a importação de um remédio para tratar uma criança com a síndrome por deficiência de CDKL5, uma doença rara que causa seguidas convulsões. A decisão abriu caminho para a permissão do uso medicinal no país. Um ano depois, a Anvisa regulamentou o uso de medicamentos à base da planta, sendo permitida somente a compra de produtos autorizados pela Vigilância Sanitária, além da importação.

Para os pets, já existem associações que garantem a procedência, qualidade e eficácia do medicamento. Uma delas é a Associação Brasileira Pet Cannabis, fundada em São Paulo pelo médico veterinário Fábio Mercante de San Juan. "Tudo começou em 2008, quando o cachorrinho da minha namorada, hoje esposa, apresentou quadros de epilepsia na velhice", afirma.

Com a  regressão das crises e o sucesso do tratamento, Fábio não parou mais de pesquisar sobre o tema, passando a capacitar profissionais da área em todo o Brasil. "Hoje já são mais de 2.300 alunos formados e qualificados para  prescrever a Cannabis medicinal". Experiente, ele afirma que os benefícios para a saúde dos animais são diversos, em diferentes quadros clínicos. "De modo geral, podemos observar uma resposta imunológica e o equilíbrio do organismo na maioria das patologias tratadas", relata.