Estado de Minas ESPECIAL

Mineiros do Ano 2024 - Ailton Krenak

Primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), Ailton Krenak tem seus livros publicados em mais de 20 países


postado em 10/02/2025 01:17 / atualizado em 10/02/2025 01:26

(foto: Equipe Ailton Krenak/Divulgação)
(foto: Equipe Ailton Krenak/Divulgação)
Primeiro indígena a se tornar "imortal" da Academia Brasileira de Letras (ABL), Aílton Krenak, 71, brincou na cerimônia de posse que a instituição tem a missão de difundir a lusofonia, mas que ele estava lá para promover uma sinfonia de 305 etnias e 180 línguas. "Depois de mais de cem anos da fundação, os acadêmicos finalmente acolheram alguém de outra voz que não seja a língua portuguesa. Isso é revelador. O Brasil é uma terra indígena, aqui não é Portugal. Hoje temos dezenas de autores indígenas, algumas jovens mulheres como Geni Nuñes, ativista guarani que já publicou dois livros importantes e que lota auditórios", destaca Ailton Krenak, que desde o ano passado passou a ocupar a cadeira nº 5 da instituição, que pertenceu ao historiador José Murilo de Carvalho.

  • Ailton Alves Lacerda Krenak, 71 anos

  • Casado com Irani Félix Viana Krenak

  • Entre os títulos e honrarias que Ailton Krenak já recebeu estão a de Comendador da Ordem de Mérito Cultural da Presidência da República e doutor honoris causa das universidades Federal de Juiz de Fora, Federal de Minas Gerais e Universidade de Brasília. Também foi o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Mineira de Letras. Tomou posse da cadeira 24, que tem como patronesse a poeta e inconfidente Bárbara Heliodora.

O ambientalista, filósofo, poeta e escritor tem cerca de dez livros publicados, entre eles a trilogia "Ideias para Adiar o Fim do Mundo" (2019), "A Vida Não É Útil" (2020) e "Futuro Ancestral" (2022), já traduzidos em 20 países. "Escrevi 'Ideias para Adiar o Fim do Mundo' motivado por minhas implicações sociais, culturais e ideológicas, e elas me pressionavam a dizer algo sobre o tempo climático que estamos vivendo, sobre o abismo que se instituiu sobre o corpo humano e a Terra. Os humanos andam sobre a terra como zumbis, não sabem pisar suavemente sobre ela. Um jornalista escreveu que, em 'Ideias', repeti Sherazade (de 'As Mil e uma Noites') e encontrei uma maneira de contar uma história para que o mundo não acabe", afirma.

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Em outubro, Ailton Krenak lançou seu primeiro livro infantil, "Kuján e os Meninos Sabidos", feito em parceria com a escritora e ilustradora paulista Rita Carelli. No livro, o criador volta à terra na forma de um kuján, tamanduá na língua krenak. "Estou me devolvendo um tempo de criança. Quando as crianças estão brincando com meu livro, me incluem na brincadeira. Estou vivendo meu momento Ziraldo. Eu não chamo de literatura infantil porque as crianças de 3, 4, 5 anos sabem muito mais coisas que os adultos imaginam. Elas enxergam coisas que os outros não vêem".

Em dezembro, o líder indígena encontrou uma nova maneira de divulgar suas ideias: a música. Em parceria com Diogo Nogueira, lançou a canção "Qual Futuro Então Virá?". "O convite foi uma surpresa. Quando eu vi a letra da música, a surpresa aumentou mais ainda. Na gravação, fizemos uma animada troca de ideias, onde pude ouvir uma música linda que o pai de Diogo - o também sambista João Nogueira (1941-2000) - fez. Isso me deixou totalmente tomado de sentimentos", afirma.

Ailton Krenak se tornou um rosto conhecido dentro e fora do Brasil quando subiu à tribuna da Câmara dos Deputados durante a Constituinte, em 1987, para proferir um discurso a favor dos direitos dos indígenas. Enquanto falava ao microfone, pintava o rosto com tinta preta de jenipapo, em sinal de luto. A imagem correu mundo.

Dois anos antes desse gesto histórico, ele deu voz aos povos indígenas através das ondas do rádio. Em 1985, a Universidade de São Paulo resolveu mudar a programação de sua emissora, convocando instituições públicas e movimentos sociais a proporem pautas. Sem grande expectativas, Krenak, que cinco anos antes havia fundado a ONG Núcleo de Cultura Indígena, propôs o "Programa do Índio" e a USP aceitou. "A cada edição, copiávamos 600 fitas-cassete. Eu despachava essas cópias, pelo correio, para 600 aldeias de todo o Brasil", lembra.

O "Programa de Índio" durou quatro anos e foi a "estreia" de um jornalista famoso hoje. William Bonner, na época com 20 anos e então estudante da USP, passava pelo corredor da rádio e Krenak o catou para gravar a chamada do programa. "Costumo brincar que dei o primeiro emprego para o Bonner", conta. Pouco mais de 150 edições do programa foram preservadas e hoje podem ser ouvidas no site da produtora Ikorê, inclusive com a voz de Bonner anunciando: "A Rádio USP apresenta: Programa de Índio. Um trabalho do núcleo de cultura da União das Nações Indígenas".

Ailton Krenak vive na Reserva Indígena Krenak, na fronteira de Minas Gerais com o Espírito Santo, na margem esquerda do rio Doce, atingido no dia 5 de novembro de 2015 pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). O desastre despejou 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios no meio ambiente, contaminando toda a bacia de mesmo nome.  Hoje, o Watu ("o avô", em língua krenak) está "em coma". O ritual de batismo das crianças, feito no rio, não acontece mais. Elas aprendem a nadar em caixas d’água. Até mesmo a água que os krenaks consomem vem em caminhões-pipa. "Os netos, os filhos, as gerações que se sucedem no corpo do rio continuam brigando por ele, cantando pra ele. É como aquela imagem de um ente querido em coma e os parentes ao redor sonhando com ele, cantando pra ele, na esperança de que ele está ouvindo e que uma hora ele pode erguer-se. Estado de coma não é abandono, estado de coma é vigília."

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