Estado de Minas ENTREVISTA

Presidente da APBr defende abordagem holística em tratamentos

Psiquiatra Renata Figueiredo também legitima a integração da inteligência artificial (IA) e de plataformas como a XPDoctor à psiquiatria


postado em 17/02/2025 01:08

(foto: Raimundo Sampaio/Esp. Encontro)
(foto: Raimundo Sampaio/Esp. Encontro)
Não há dúvida de que a medicina tem se transformado muito rapidamente ao longo das décadas. Pesquisas científicas incorporam novas práticas e apontam soluções para maior precisão em diagnósticos e tratamentos. Os avanços na área da saúde mental foram foco do 41º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em outubro passado, no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), na capital federal. Renata Figueiredo, 39 anos, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), compartilhou com a Encontro, de forma exclusiva, alguns dos temas debatidos no evento e também suas próprias visões sobre os desafios e inovações nesse braço da saúde.

  • Quem é: Renata Figueiredo

  • Origem: Montes Claros (MG)

  • Formação: Graduada em medicina pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas, psiquiatra pela Universidade Estadual de Montes Claros, especialista em patologia dual (Dependência Química) pelo Consórcio Hospitalário Provincial de Castellón, na Espanha. Tem título de especialista em psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria.

  • Carreira: É presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr) e conselheira do CRM-DF.

Um dos pontos centrais abordados pela médica nascida em Montes Claros (MG) e que vive em Brasília desde 2015, foi a integração da inteligência artificial (IA) no diagnóstico e tratamento de transtornos psiquiátricos. A plataforma XPDoctor, que utiliza IA para otimizar os procedimentos, foi destacada no congresso, e pela especialista, como uma grande inovação nacional.

Além das novidades tecnológicas, a presidente da APBr também discutiu temas emergentes, como os avanços no enfrentamento a problemas como o TDAH, o transtorno bipolar e o TOC. O uso de assistentes virtuais e técnicas de neuromodulação, por exemplo, têm mostrado resultados promissores, especialmente em casos em que há resistência ao tratamento convencional, de acordo com a especialista. Renata destacou ainda a importância de políticas públicas que garantam o acesso universal aos cuidados de saúde mental, apontando que a superação do estigma em torno das questões psiquiátricas é fundamental para um atendimento mais inclusivo e humanizado.

ENCONTRO – Quais as principais abordagens que o 41º Congresso Brasileiro de Psiquiatria trouxe na área da inteligência artificial (IA)?

RENATA FIGUEIREDO – Durante o evento, realizado pela nossa associação, abordamos como a IA pode ser uma ferramenta poderosa na assistência psiquiátrica. Também destacamos o papel dos algoritmos para melhorar a triagem e monitorar pacientes. Muito importante também é que foi enfatizado o aspecto ético da adoção dessas tecnologias, garantindo a segurança e privacidade. Foi lançada no congresso também a plataforma de atendimento XPDoctor, destacada como uma inovação nacional que promete transformar o relacionamento entre médicos e pacientes. O objetivo é proporcionar diagnósticos mais precisos e um acompanhamento contínuo e individualizado. O XPDoctor IA é uma versão da plataforma que empregará inteligência artificial e foi mencionada como uma tecnologia em desenvolvimento que futuramente trará ainda mais recursos para o atendimento psiquiátrico.

Com o crescente uso da IA na saúde, como vê o impacto na avaliação e no diagnóstico em psiquiatria, especialmente na personalização dos tratamentos?

A IA tem um grande potencial para transformar a avaliação e o diagnóstico em psiquiatria. Ela permite uma análise mais detalhada de grandes volumes de dados e a identificação de padrões que podem não ser evidentes para os profissionais. Com isso, é possível uma personalização mais precisa dos tratamentos, levando em conta características únicas de cada paciente, como respostas individuais a medicamentos e a possibilidade de intervenções mais cedo, melhorando a eficácia terapêutica e os resultados. Além disso, pode melhorar o diagnóstico em áreas mais isoladas, onde o acesso aos profissionais de saúde mental é limitado. A participação especial da Microsoft também foi um ponto alto do congresso, onde seus representantes discutiram o impacto da inteligência artificial e de outras tecnologias no cotidiano da medicina, incluindo ferramentas como o Microsoft Azure, que podem oferecer suporte seguro para telemedicina e gestão de dados clínicos.

Quais questões a senhora acredita que possam gerar maior interesse entre os psiquiatras e outros profissionais que cuidam da saúde mental?

São emergentes temas como a influência da tecnologia na saúde mental, a neurociência aplicada ao comportamento, novas modalidades de neuromodulação, os transtornos do neurodesenvolvimento, os riscos para a saúde mental dos trabalhadores. Além da integração da espiritualidade e religiosidade na psiquiatria. O crescente interesse pela a tecnologia na saúde mental é amplamente debatido. O uso de realidade virtual, por exemplo, mostrou-se eficaz contra ansiedade e fobias. Os transtornos do neurodesenvolvimento, como o TDAH e o autismo, também têm se destacado devido à necessidade de diagnósticos mais precoces e intervenções específicas. E a questão da saúde mental dos trabalhadores e dos estudantes, que está em evidência, especialmente no pós-pandemia. O aumento dos casos de burnout, transtornos relacionados ao estresse e à pressão acadêmica motivam discussões. Outro destaque é a integração da espiritualidade e da religiosidade no contexto psiquiátrico. Muitos estudos apontam que esses aspectos podem ser importantes para a resiliência emocional dos pacientes.

"Os profissionais precisam combater o estigma em torno dos transtornos mentais, o que exige não apenas habilidades clínicas, mas também competências em comunicação, tanto com os pacientes quanto com a sociedade"

Renata Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)

Sobre TDAH, transtorno bipolar e TOC. Quais são os avanços mais recentes na abordagem desses transtornos?

Durante o congresso, uma das palestras destacou o uso da Alexa como um instrumento para melhorar a rotina dos portadores de TDAH, auxiliando na organização e cumprimento de tarefas diárias. A Alexa foi citada por ajudar pacientes a organizarem suas rotinas, monitorando atividades diárias e reforçando lembretes para tarefas importantes. Para o transtorno bipolar, novos estabilizadores de humor e a personalização da medicação, baseada em marcadores genéticos, têm mostrado resultados promissores. No TOC, as técnicas de neuromodulação estão entre os avanços mais significativos, juntamente com terapias cognitivas comportamentais aprimoradas.

Dentre as novas tecnologias, qual tem o maior potencial para transformar a prática clínica em psiquiatria?

A tecnologia mais importante a ser incorporada é a inteligência artificial. A IA tem o potencial de analisar grandes volumes de dados, identificar padrões sutis e proporcionar insights que podem melhorar a precisão diagnóstica, além de oferecer planos de tratamento adaptados às necessidades individuais dos pacientes. O XPDoctor, plataforma de atendimento, se prepara para desempenhar um papel central nesse cenário, com o compromisso da Associação Brasileira de Psiquiatria e de seus parceiros para uma implementação ética e eficaz, visando consolidar uma psiquiatria moderna, acessível e tecnologicamente avançada em todo o Brasil.

Quais estratégias a psiquiatria tem adotado nos últimos anos para melhorar a identificação precoce e o tratamento de pacientes em risco de autoextermínio?

As estratégias incluem programas de educação para profissionais de saúde, uso de algoritmos de IA para identificar fatores de risco em prontuários eletrônicos, bem como a utilização de telemedicina e linhas de apoio para ampliar o acesso ao atendimento em momentos de crise. É fundamental que essas linhas de apoio sejam operadas por profissionais com curso superior na área de saúde mental e capacitados em suicidologia para fazer a abordagem adequada. O treinamento em empatia e comunicação também tem sido um foco importante para melhorar a conexão com pacientes em risco.

Quais são os principais desafios atuais da psiquiatria forense, especialmente em relação à interseção entre saúde mental e justiça criminal?

Um dos maiores desafios atuais é a Resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça, que permite que muitos criminosos com transtornos mentais sejam liberados e possam optar por não receber tratamento. Essa situação gera uma percepção equivocada sobre pacientes psiquiátricos e aumenta o estigma associado à doença mental. Dessa forma, a psiquiatria forense deve buscar um equilíbrio entre a Justiça e o cuidado em saúde mental, garantindo que as pessoas recebam a atenção necessária, enquanto a sociedade é protegida. Há ainda falta de capacitação dos profissionais para atuarem na interface entre a justiça e a saúde mental, o que compromete a compreensão dos casos e a tomada de decisões adequadas.

Em relação à neuromodulação, qual é o papel dessas técnicas no tratamento de transtornos como depressão e TOC, e como elas têm evoluído?

As técnicas de neuromodulação, como a estimulação magnética transcraniana,  eletroconvulsoterapia e a estimulação elétrica transcraniana, têm sido cada vez mais utilizadas como opções para casos resistentes à medicação. Esses métodos evoluíram para se tornarem mais precisos, focando em regiões específicas do cérebro e oferecendo menos efeitos colaterais, contribuindo para a melhora significativa em pacientes com depressão e TOC.

Há novos medicamentos ou tratamentos que acredita estarem transformando o manejo de transtornos como o transtorno bipolar ou a esquizofrenia?

Temos visto avanços como a introdução de antipsicóticos de longa duração, que melhoram a adesão ao tratamento em esquizofrenia, e estabilizadores de humor mais modernos para o transtorno bipolar, com menos efeitos colaterais e maior eficácia. Além disso, a utilização de moduladores glutamatérgicos tem mostrado resultados promissores, especialmente para sintomas que não respondem às terapias tradicionais.

"A psiquiatria, por sua própria natureza, deve primar por uma abordagem holística, que leve em conta os diversos aspectos que influenciam a saúde mental - biológicos, psicológicos, sociais, espirituais e religiosos"

Renata Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)

O que considera ser o maior desafio enfrentado pelos psiquiatras em termos de atualização profissional e adaptação às novas demandas da sociedade?

O maior desafio atualmente é manter-se atualizado em um campo que evolui rapidamente, tanto em relação ao conhecimento científico quanto às demandas sociais. Além disso, os profissionais precisam combater o estigma em torno dos transtornos mentais, o que exige não apenas habilidades clínicas, mas também competências em comunicação, tanto com os pacientes quanto com a sociedade. A crescente demanda por serviços de saúde mental, frequentemente sem o suporte adequado, especialmente no sistema público de saúde, representa outro obstáculo significativo. Nesse contexto, o cuidado preventivo, o acolhimento humanizado e a promoção da saúde mental em diferentes contextos sociais tornam-se fundamentais. Esses desafios demonstram a necessidade de uma formação contínua e adaptável, que possibilite ao psiquiatra enfrentar as novas realidades impostas pela evolução da sociedade e pela complexidade dos transtornos mentais.

De que forma percebe a medicina integrativa e como ela pode ser integrada na prática clínica de maneira eficaz?

O Conselho Federal de Medicina não reconhece oficialmente a medicina integrativa como uma área de atuação, o que torna inadequado o uso desse termo formalmente. Entretanto, a psiquiatria, por sua própria natureza, deve primar por uma abordagem holística, já que as doenças psiquiátricas são multifatoriais e exigem um tratamento que leve em conta os diversos aspectos que influenciam a saúde mental — biológicos, psicológicos, sociais, espirituais e religiosos. Cabe aos profissionais o compromisso de abordar todas essas dimensões, proporcionando um cuidado integral e abrangente. Incorporar aspectos espirituais de maneira respeitosa e sensível pode contribuir para a compreensão dos fatores que influenciam a saúde dos pacientes, oferecendo um suporte mais completo e efetivo. Essa abordagem não apenas enriquece a relação terapêutica, como também potencializa a eficácia dos tratamentos, promovendo uma visão integral do ser humano.

O que a senhora espera para o futuro da psiquiatria no Brasil?

Vislumbramos um futuro em que a psiquiatria esteja cada vez mais conectada às inovações tecnológicas, promovendo uma assistência acessível, personalizada e centrada no bem-estar global. Essa transformação promove um atendimento que trata os transtornos e contribui para a prevenção, reduzindo o sofrimento antes que ele se agrave. É fundamental políticas públicas que garantam acesso equitativo aos cuidados em saúde mental. A promoção de um sistema inclusivo, que ofereça suporte adequado para todos, é essencial diante da crescente demanda. As tecnologias também podem desempenhar um papel relevante, ao facilitar a expansão do atendimento remoto. Outro ponto crucial é o combate ao estigma que cerca os transtornos mentais e os tratamentos psiquiátricos. Uma assistência mais integrada só será plenamente eficaz se vier acompanhada de um esforço constante para desmistificar a psiquiatria e promover a compreensão dos desafios enfrentados pelos pacientes.

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