Primeira mulher comandante-geral do CBMMG, a coronel é muito comunicativa, adora contar histórias e relembrar a sua trajetória na instituição. Em sua passagem como chefe da Assessoria de Comunicação Organizacional do CBMMG, esteve à frente de ocorrências históricas de repercussão no cenário internacional, como a queda do viaduto Guararapes, o rompimento da barragem em Brumadinho, a queda da rocha em Capitólio e o acidente com a cantora Marília Mendonça. Sobre os planos de gestão, ela é categórica: "Não me preocupo em realizar grandes mudanças. Quero melhorar a qualidade de vida do militar em seu trabalho, entendendo que por debaixo das fardas existem pessoas e que só através delas é possível alcançar os nossos objetivos institucionais".
. - Quem é: Jordana de Oliveira Filgueiras Daldegan, 44 anos
- Origem: Belo Horizonte (MG)
- Formação: Curso de Oficiais do CBMMG, pela Academia de Polícia Militar de MG, finalizado em 2003. Especialização em administração pública e gestão de pessoas, pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Especialização em gestão estratégica e políticas públicas. Curso de gestão de recursos de defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) do Ministério da Defesa.
. - Carreira: Foi subcomandante do 3º Batalhão de Bombeiros Militar; assessora-bombeiro militar da Presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, atuando como chefe de gabinete do Comando-Geral e diretora de Assuntos Institucionais da corporação. Comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.
REVISTA ENCONTRO – Em 113 anos de corporação, pela primeira vez uma mulher fica à frente do Comando-Geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. O que isso representa para a sra. e para as mulheres de modo geral?
CORONEL JORDANA FILGUEIRAS DALDEGAN – Tenho plena consciência de que é um momento histórico que abre precedentes para que mais mulheres ocupem espaços majoritariamente masculinos. Uma quebra de paradigmas que, na verdade, teve início há 32 anos, em 1993, quando a primeira turma de mulheres foi admitida no CBMMG. A turma 113 ingressou nas fileiras da corporação, desafiando estereótipos e quebrando barreiras. Entre as pioneiras está a coronel Daniela Lopes Rocha da Costa, primeira mulher a ocupar um cargo de chefe do Estado-Maior no estado. Foram essas mulheres que abriram o caminho para que pudéssemos chegar aqui. O número é emblemático para todos nós e, coincidentemente, nos 113 anos da instituição, outra mulher assume o comando.
. A sra. faz parte da primeira turma de oficiais do Corpo de Bombeiros Militares de MG (CBMMG) formada após a desvinculação da Polícia Militar. Como foi essa trajetória?
Em 2000, tivemos a primeira turma de aspirantes a ter formação exclusiva de bombeiro. Dos 36 militares, cinco eram mulheres, todas na ativa até hoje. Como a nossa formação foi de oficial, já iniciamos nos cargos de gerência liderando os homens, o que nos colocou à prova o tempo todo. Apesar da pouca idade – eu tinha 23 anos na época –, tive de aprender a compreender aquele contexto e também a aproveitar a oportunidade. O simples fato de ser mulher nos colocava em desvantagem e tínhamos de lutar para poder atuar no operacional e para exercer, de fato, a função que havíamos escolhido e não atuar apenas no serviço administrativo.
. O que a levou a seguir essa carreira?
Sempre gostei do militarismo. É uma área que me atrai muito. A princípio, eu pensava na aeronáutica, mas com o tempo fui mudando de ideia. Por ser neta de militar, sempre tive o meu avô paterno como minha principal referência. Na época, ele era sargento da Polícia Militar, mas nunca incentivou nenhum dos seus sete filhos a ser militares e, de fato, ninguém escolheu a profissão. O curioso é que entrei na corporação como excedente na turma do ano 2000. Uma das militares selecionadas desistiu em seu primeiro serviço de sentinela e o setor de recrutamento disponibilizou a vaga. Eu era a primeira excedente na fila e o destino já conspirava a meu favor. Tinha de ser nos bombeiros mesmo.
. Os reajustes salariais concedidos pelo governo do estado aos servidores da área de segurança pública, em Minas, ficaram abaixo da inflação acumulada nos últimos 10 anos. A informação está no relatório final do Tema em Foco, relativo aos anos de 2023 e 2024, aprovado pela Comissão de Segurança Pública. Como a sra. avalia a questão?
É sempre um assunto que está em evidência e que é uma necessidade, como em qualquer outra profissão. Estamos em constante diálogo com o governo para achar soluções que viabilizem, de fato, uma recomposição salarial para a categoria, valorizando o serviço prestado por toda a tropa.
. O governador Romeu Zema disse que, entre os motivos que o levaram a escolhê-la para assumir o Comando-Geral, estão sua disposição em servir e sua humildade. A definição está correta?
Isso depende muito do momento da carreira em que a pessoa me conheceu. Lá, no início, eu era uma tenente bem rigorosa. Acredito que, pelo fato de ser mulher e ser muito jovem na época, em um ambiente completamente masculino, eu tenha me tornado mais dura. Mas, com o tempo, a tendência é irmos aprendendo e amadurecendo. O serviço de bombeiro nos mostra que tudo precisa ser feito em equipe e que, se não tivermos humildade para aprender com os nossos subordinados e com os nossos superiores, não estamos preparados para a função. Aprendi que é preciso associar o militarismo à gestão de pessoas, aproveitando o que cada um tem de melhor a oferecer em benefício da corporação e, consequentemente, da população.
. Seu antecessor, o coronel Erlon Botelho, priorizou a continuidade de ações iniciadas na gestão anterior, como o fomento na evolução do Sistema de Informações do Serviço de Segurança Contra Incêndio e Pânico (Infoscip). Quais são as metas de sua gestão?
Temos um planejamento estratégico que chamamos de Plano de Comando, que teve início em 2015 e finda em 2026. Então, estou pegando o seu último biênio. Acredito nas pequenas mudanças do dia a dia e que tragam melhoria coletiva. Por isso, não me preocupo em realizar grandes mudanças institucionais. A nova atividade de Perícia de Incêndio, que permite compreender as causas para implementar melhorias nas normas de prevenção e trabalhar a elaboração de medidas mais assertivas neste campo, trouxe avanços enormes para a corporação. Assim como outras iniciativas. Então, cabe a mim dar continuidade a tudo o que tem sido feito e obtido resultados positivos. Quero melhorar a qualidade de vida do militar em seu trabalho, entendendo que por debaixo das fardas existem pessoas e que só através delas é possível alcançar os objetivos institucionais. A tecnologia não adianta de nada, se eu não tiver o militar.
. Em 2015, o limite prudencial no CBMMG foi de 6.112 de bombeiros militares. Esse limite foi estabelecido para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e os pareceres da Advocacia-Geral do Estado. Esse efetivo seria suficiente para atender a demanda do estado?
Atualmente, nosso efetivo conta com 6 mil militares. De fato, existe um déficit na corporação, mas temos buscado soluções para minimizar o impacto gerado na sociedade. Uma delas é o investimento em tecnologia para prever possíveis crises climáticas e elaborar ações preventivas. Nas ocorrências que envolvem maior complexidade também recorremos a uma gama de parceiros para nos ajudar a fazer frente (no trabalho) e dar uma resposta positiva à sociedade.
. Como a sociedade pode agir para auxiliar o trabalho dos bombeiros e não sobrecarregar a corporação?
Em primeiro lugar, seria adotando medidas de autoproteção. É preciso entender que a maioria das ocorrências que atendemos é provocada pela ação humana. Então, saiu um alerta de chuvas intensas e alagamentos, não se arrisque. Não junte lixo e folhas e coloque fogo, sabendo do risco de provocar um incêndio. Não beba e ache que pode pegar o carro e dirigir em segurança. Não dirija em alta velocidade. Não entre na piscina, lago etc., se você não sabe nadar ou se for em área de risco. Não vá para a praia, clube e se esqueça de monitorar as crianças. Tem de ter o sentinela da hora. Tudo o que foi falado aqui resulta da imprudência e irresponsabilidade humana e acaba sobrecarregando a corporação. O efetivo nunca será suficiente se a população não se conscientizar.
. Sendo casada com um coronel e mãe de dois filhos, como foi recebida por sua família a notícia de sua nomeação como comandante-geral da corporação?
Tenho dois meninos, um de 13 anos e outro de 18. Apesar de o pai e a mãe serem bombeiros militares, nenhum dos dois quis entrar para a profissão. Mesmo assim, sempre me entenderam e apoiaram. Percebo o quanto se sentiram orgulhosos quando souberam da minha nomeação. A todo momento, me disseram: "Mãe, fica tranquila, que nós vamos te ajudar". Pra mim, a família é o sentido de tudo e como conheci o meu marido após entrar para os bombeiros, sempre digo que a corporação me deu tudo. O meu melhor programa para relaxar é estar com a minha família e com os nossos amigos.
. Qual a sua avaliação sobre a situação das buscas em Brumadinho? O trabalho dos bombeiros continua?
Já se passaram seis anos da tragédia e são mais de 2.200 dias em que o Corpo de Bombeiros continua em operação. O único momento em que houve uma pausa foi no período da pandemia. Em respeito a todas as famílias afetadas, mantivemos o nosso compromisso de encerrar as buscas somente quando 100% do rejeito fosse vistoriado. Do volume de 10,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos, em Córrego do Feijão, 84% do material já foi verificado. Acreditamos que as buscas devam encerrar-se ao longo deste ano. Desde o rompimento da barragem, em 25 de janeiro de 2019, a corporação trabalhou incansavelmente, em condições extremas, inclusive embrenhados na lama tóxica. O que levou o CBMMG a desenvolver, junto ao Ministério da Saúde, protocolos de monitoramento de contaminação por metais pesados, acompanhando a saúde dos bombeiros diariamente.
. Como a sra. enxerga o papel heroico que o Corpo de Bombeiros possui aos olhos da sociedade e como avalia que esse respeito tenha sido conquistado?
Esse apreço se deve ao comprometimento desses homens e mulheres que saem todos os dias de suas casas para trabalhar, vestir a farda e se dispor a assumir um plantão, tendo a consciência de que poderão ser os responsáveis por salvar mais uma vida naquele dia. É o serviço diário que cada bombeiro e bombeira faz em todos os municípios em que estamos presentes. A nossa atividade, por si só, é um ato de servir. Estamos sempre prontos porque, quando o bombeiro é chamado, é sempre para uma situação difícil. Por isso digo que não basta querer. É preciso ter vocação para se tornar um bombeiro militar. O mineiro, realmente, tem motivos para se orgulhar do Corpo de Bombeiros que tem.
. O agravamento da crise climática e a alta incidência de tragédias ambientais como as queimadas e as inundações impactaram o trabalho da corporação?
Sim, sem dúvida. Esses extremos climáticos impactam diretamente em nosso serviço. Costumo falar que, lá atrás, quando eu estava na operacional, tínhamos dois períodos no ano: o período de chuva e o período de estiagem. Então, na chuva tínhamos de outubro até o finalzinho de janeiro ou, no máximo, fevereiro. E depois ia de junho ao início de setembro. Hoje, temos visto um grande desequilíbrio climático que gera danos enormes e tem sobrecarregado bastante a corporação. Para tentar sanar o máximo das demandas e evitar o seu agravamento, temos investido em planejamento, na antecipação de ações e em tecnologia.
. Ao longo de sua carreira a sra. já passou por alguma situação inusitada?
Várias! Bombeiro é bombeiro 24 horas por dia. Na gravidez do meu segundo filho, já quase com oito meses de gestação, estava voltando para casa quando presenciei a queda de um motoqueiro que ia pouco à frente do meu carro – dirigi até o último momento. Logo me prontifiquei a ajudar, desci do carro e me apresentei à vítima. Quando o rapaz, que estava caído no chão, me viu, ele se assustou mais do que eu com o acidente, dizendo: "Mas você está grávida!". Eu disse para ele a ficar calmo que, pelo menos, acionar os bombeiros eu poderia. Esse episódio resume bem a missão que assumimos ao escolher ser bombeiros militares.
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