
Desde que o filme começou a despontar em premiações internacionais, têm sido praticamente diárias as enxurradas que inundam as redes sociais do carisma inesgotável de Fernanda, em entrevistas e encontros com estrelas de Hollywood, e de sua exuberância em trajes elegantérrimos de grifes de alta costura como Chanel, Burberry e Prada, seja em ensaios fotográficos, capas de revista ou aparições em tapetes vermelhos de outras premiações. No meio desse turbilhão, as falas da atriz sobre um certo tema apontam para uma transformação social que, mesmo incipiente, indica horizontes de futuro bastante animadores: os que dizem respeito ao envelhecimento, especialmente o feminino.
A herdeira da grande dama da dramaturgia brasileira Fernanda Montenegro, 95 anos, diz ficar feliz que o reconhecimento internacional e toda essa repercussão estejam acontecendo numa fase da vida em que ela se encontra mais madura, próxima de completar 60 anos. Em entrevista ao canal Globonews no dia das indicações ao Oscar, ela afirmou que encarar tudo o que tem vivido demanda muita maturidade. "Porque é uma maratona. Quando o filme foi ovacionado em Veneza, entendi que a onda ia ser grande e que eu ia ter de ter cabeça, ter calma e fazer o que fosse necessário, que eu não sabia o que era, sem enlouquecer, segurando os meus cavalos", afirmou.
Falas como essa carregam o potencial para reduzir o estigma de que existiria um limite etário para as conquistas da vida e que, depois de certa idade, não haveria mais espaço para crescer e desejar novas realizações, seja no campo profissional, das relações ou pessoal. Na língua inglesa, existe um termo para designar aquelas pessoas que levam mais tempo "do que o esperado" para alcançar feitos ou ter reconhecimento por suas habilidades e capacidades. São os late bloomers, que, traduzindo livremente, seria algo como quem desabrocha tardiamente.
Uma pesquisa de 2019 realizada na Dinamarca constatou que, em média, os vencedores do Prêmio Nobel fizeram suas descobertas fundamentais aos 44 anos. Nos Estados Unidos, uma pesquisa publicada pelo periódico de economia The American Economic Review revelou que 45 anos é a idade média do empreendedor naquele país. Além disso, a probabilidade de uma startup deslanchar aumenta significativamente quando a pessoa por trás do empreendimento passa dos 25 aos 35 anos, e o sucesso permanece em trajetória ascendente após os 50.

Certamente, foi o acúmulo de bagagem que permitiu que a especialista em análises faciais Cris Alves, 43 anos, pedisse exoneração de um cargo público que ela havia conquistado por via de concurso – e que garantia não apenas um presente, como uma perspectiva de futuro confortáveis, do ponto de vista financeiro –, para investir no ramo da imagem pessoal. Formada em fisioterapia, ela enveredou por esse caminho em busca de um hobby. No entanto, usando do próprio conhecimento adquirido na graduação, conseguiu não apenas avançar rapidamente no aprendizado das habilidades para prestar consultoria de imagem, como foi capaz de apresentar novas perspectivas para esse mercado.
Por alguns anos, ela se manteve com as duas ocupações, mas em determinado momento as coisas ficaram inconciliáveis. Em 2019, pediu exoneração. Pouco depois, se deparou com a pandemia. "E o online se tornou a minha maior unidade de negócio. Foi onde eu me estabeleci, dentro e fora do Brasil", conta. Tudo isso só foi possível graças ao repertório que ela acumulou ao longo dos anos. %u200A"Porque todas as experiências que nós vivemos contribuem para aquilo que fazemos. Seja como servidora, ou advogada, ou vendedora ambulante na praia, tudo serve para o que a gente pretende fazer na sequência. %u200ANinguém recomeça do zero. E, se a pessoa souber aproveitar, constrói algo muito único no posicionamento dela dali pra frente, independentemente da carreira em que ela esteja", garante.
No livro Late Bloomers: The Hidden Strengths of Learning and Succeeding at Your Own Pace, publicado no Brasil pela nVersos Editora com o título Antes Tarde do que Nunca: O poder da paciência em um mundo obcecado pelo sucesso precoce, o jornalista Rich Karlgaard explica que pessoas que desabrocham mais tarde – ou mesmo que encontram ainda mais sucesso do que já experimentaram – tendem a ser qualitativamente diferentes, e a ter um conjunto diferente de habilidades que são, em sua maioria, invisíveis ou desencorajadas pelo sistema educacional convencional.

Essas pessoas em geral têm que inventar seus próprios caminhos. Os que florescem mais tarde "materializam seu potencial muitas vezes de maneiras novas e inesperadas", escreve Karlgaard, "surpreendendo até mesmo aqueles que são mais próximos deles". Isso se aplica tanto a Cris Alves quanto a Fernanda Torres, que por muitos anos exercitou capacidades relacionadas à comédia para alcançar um pico de reconhecimento em um papel de drama. Pode não parecer, mas as coisas estão diretamente relacionadas.
Portanto, não se trata de uma leitura pertinente somente ao campo do empreendedorismo formal, mas a empreitadas de quaisquer naturezas. A escritora britânica Bernardine Evaristo, 65, recebeu o Booker Prize, que premia as melhores obras lançadas em língua inglesa, aos 60 anos, pelo livro Garota, Mulher, Outras. Em Manifesto: Sobre nunca desistir (ambos publicados no Brasil pela Companhia das Letras), ela reflete sobre a importância de ter trilhado todo o percurso que levou àquela conquista, naquele momento da vida.
"Eu não poderia ter escrito este romance quando era jovem porque só estava interessada em criar personagens jovens. (...) Só agora que vivi um bocado, escutei um bocado, tive um bocado de experiências e testemunhei um bocado de coisas – sobretudo nos meus relacionamentos e interações com mulheres negras – esse livro se tornou realizável. Finalizei-o aos 60 anos de idade – com um passado significativo atrás de mim e diante de um futuro com menos anos do que já vivi", escreve a autora, que acabou por se livrar do tabu em torno do envelhecimento.
"Gosto do fato de que as pessoas saibam minha idade, e com certeza não tenho vergonha dela. Espero ser um modelo para mulheres mais jovens que temem pelo próprio futuro assim que completam 25 anos e para mulheres mais velhas cuja exclusão é reforçada em todos os níveis da sociedade. Nem preciso dizer que, à medida que envelhecemos, precisamos nos cuidar cada vez mais, mas nunca é tarde demais para começar a fazer isso" diz Bernardine, em outro trecho do livro.
Buscar novos desafios e realizações a qualquer tempo da vida é também uma forma de encontrar mais sentidos e propósitos. Foi o que aconteceu com a professora de língua portuguesa Risolina Ribeiro, 70 anos, que resolveu retornar ao posto de aluna após mais de 30 anos como docente para fazer mestrado e doutorado. "Ao navegar pelas palavras de Guimarães Rosa, lembro que ‘nada em rigor tem começo e coisa alguma tem fim’, mas tenho a certeza de que as surpresas agradáveis ou não fazem parte do percurso", afirma.
Ela argumenta que tanto a disciplina, determinação, organização e coragem extremas que precisou enfrentar no percurso, como o contato com outros pesquisadores, as trocas de ideias e aquisição de conhecimentos inerentes ao processo foram altamente recompensadores. "‘Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido: Eu não: quero uma verdade inventada’", diz ela, citando Clarice Lispector. "Dessa forma, procuro criar novas e interessantes realidades que me tornam mais feliz e realizada em minha vida pessoal e profissional."

A perspectiva de Risolina se torna ainda mais pertinente quando levamos em conta o envelhecimento da população. As projeções populacionais mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam uma vida de, em média, 76,8 anos para bebês que nascerem no país em 2025. Além disso, as pessoas com mais de 65 anos, que hoje representam 10% da população, devem chegar a 25% até o ano de 2050. Vanessa Cepellos observa que continuar valorizando somente atributos relacionados à juventude, praticando o chamado etarismo, pode ser um tiro no pé.
Essa é uma questão que tem contornos específicos para as mulheres, o que é chamado de feminização do envelhecimento. "O envelhecimento é um fenômeno feminino. Além de terem uma expectativa de vida maior do que a dos homens, elas, por exemplo, podem ser consideradas velhas para o mercado de trabalho aos 40 anos, enquanto com os homens isso não acontece antes dos 50", explica.
Ainda que haja uma jornada longa e tortuosa pela frente, os primeiros passos já começaram a ser dados. E isso também se reflete nas falas de Fernanda Torres sobre o momento que vive, quando diz do aumento da abertura da indústria cinematográfica para narrativas mais maduras e diversas. "Este ano tem sido incrível para mulheres acima de uma certa idade", disse a atriz à revista norte-americana Variety, referindo-se a performances como a de Nicole Kidman, em Babygirl, e a Demi Moore, em A Substância. "É maravilhoso que não tenhamos de ser eternamente jovens para ter personagens interessantes. A indústria está mudando, e é emocionante fazer parte disso", diz a diva brasileira.