
Mas, embora o vegetarianismo esteja presente no Brasil desde 1914, quando o jornalista e poeta paraibano Carlos Dias Fernandes lançou o livro Proteção aos Animais, esse estilo de vida ainda levanta muitas dúvidas, especialmente sobre a viabilidade de uma alimentação de origem apenas vegetal. Seria mesmo possível manter uma dieta equilibrada e saudável? No vegetarianismo, todas as carnes – seja vermelha, frango ou peixe – são excluídas do cardápio, mas existem diferentes vertentes dentro desse universo. Algumas pessoas ainda consomem ovos e laticínios (ovolactovegetarianismo), adotam uma alimentação sem qualquer produto de origem animal (veganismo).De acordo com pesquisa de 2024 da consultoria SkyQuest, o mercado global de alimentos veganos foi avaliado em US$ 20,77 bilhões em 2021 e, até 2030, deve alcançar os US$ 36,3 bilhões
Mais do que uma dieta, o veganismo é tido como um estilo de vida, no qual o consumo e a utilização de qualquer produto advindo da exploração de animais não é admitido, o que inclui alimentos, roupas, calçados e cosméticos. Um movimento usado para pressionar práticas mais humanas nas indústrias.

Por outro lado, diz ele, com a ingestão adequada de proteínas, carboidratos e micronutrientes é possível ser vegano e ser saudável. O primeiro passo é ampliar a consciência e o paladar para descobrir a grande variedade de alimentos disponíveis, entre eles frutas, verduras e legumes. "É um erro muito comum deixar de comer alimentos de origem animal e passar a consumir alimentos sem origem animal, mas ultraprocessados e ricos em sódio, açúcares e outros aditivos", explica o nutricionista Guilherme Discaciati. Para não cair nessa armadilha e nem passar a comer somente carboidrato – e dá-lhe macarrão e batata frita! – a dica é planejar as refeições semanais sempre incluindo proteínas vegetais (lentilhas, grão-de-bico, tofu, feijão e ervilha), carboidratos complexos, frutas e vegetais variados.
Com aptidão para a cozinha, as gêmeas Gabriela e Rafaela Araújo, 35 anos, apostam na diversidade dos alimentos. Tanto que decidiram montar o Las Tortas Salgadaria Veg, serviço que disponibiliza várias opções de salgados por encomenda. "Sempre estive envolvida em movimentos sociais e ambientais. O veganismo me deu a oportunidade de fazer da minha alimentação um ato revolucionário, contra a exploração das outras espécies", diz Gabriela. Ela se diverte ao ver o quanto as pessoas ainda ficam chocadas ao comer um hambúrguer de proteína de ervilha ou um churrasco "completo" com direito a linguiça vegetal e se surpreenderem com o sabor. "Basta querer experimentar. Eu realmente vejo essa prática como uma possibilidade de transformar o mundo."

Entre os temas discutidos estavam o custo da comida vegana, a praticidade no dia a dia, o sabor das refeições, o valor nutricional e a ideia de que o este estilo de vida é apenas uma "modinha". Curiosamente, ao contrário do que a maioria acredita, essa dieta também traz benefícios nutricionais, auxiliando na redução do risco de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas. O maior consumo de fibras, antioxidantes e fitoquímicos promove a saúde intestinal e aumenta a imunidade. Por ser rica em vitaminas e minerais, a dieta também potencializa a melhora nos níveis de energia. "A verdade é que a alimentação vegana é bem simples e tem como base os cinco principais grupos alimentares, que são as frutas, legumes, cereais integrais (arroz, milho e trigo), as leguminosas (feijões, lentilha, grão-de-bico e ervilha) e as oleaginosas (castanhas, amêndoas, nozes e sementes)", explica a nutricionista Maria Júlia Rosa, especialista em medicina vegetariana e nutrição humana, que participou do Congresso de Alimentação Vegetariana, em Portugal, em novembro passado, evento dedicado à discussão científica e sociopolítica da alimentação de base vegetal.
Já para o nutrólogo Adriano Faustino, o mito de que esta dieta é cara não se sustenta. "Caro é comer picanha", brinca ele. O médico lembra que o consumo de carne e outros alimentos de origem animal têm ação inflamatória no organismo, o que não ocorre neste modelo. Outra dica do especialista é a suplementação: "Existem boas fontes de proteína vegana que, quando feitas da maneira correta, só trazem benefícios".
O empresário Rodrigo Figueiredo de Abreu Oliveira, 40 anos, sabe bem quais são eles. Em 2018, tornou-se vegano, largou o emprego de bancário e abriu a fábrica de congelados Veggie Roots. Sem se dar por satisfeito, idealizou o Paraíso Veg, festival e feira que acontece mensalmente em Belo Horizonte (confira a agenda em @paraisoveg), que dissemina o estilo de vida e fortalece os produtores da capital mineira e região metropolitana. "Quando mudei a minha dieta, muitos bares só tinham opção de batata frita para quem não come carne", brinca ele. E foi exatamente essa lacuna no mercado que o fez enxergar o potencial que o segmento tem. "Com o tempo, ser vegano se tornou algo simples para mim. No self service, por exemplo, sempre tem arroz, feijão e salada. Com o que economizo no açougue, dá para comprar muito mais alimentos no sacolão."

Somente em 2024, mais de 2,1 mil novos produtos e opções de receitas foram lançados durante o Janeiro Vegano em todo o mundo. De acordo com pesquisa de 2024 da consultoria SkyQuest, o mercado global desses alimentos foi avaliado em US$ 20,77 bilhões em 2021 e, até 2030, deve alcançar os US$ 36,3 bilhões. Mas é necessário fazer um alerta: fique de olho nos rótulos – o fato de o produto ser vegano não necessariamente indica que é saudável. Muitos são ultraprocessados, com muitos químicos, corantes e aromatizantes, o que pode causar prejuízos à saúde. "Comecei o processo de transição para o veganismo em 2008. Primeiro me tornei vegetariana e depois senti que não fazia sentido, dentro do meu propósito, seguir consumindo ou usando produtos de origem animal", diz a analista de educação Cláudia Almeida, 50 anos. Apaixonada por gatos, ela defende que não são apenas os animais tidos como pets que necessitam de cuidado e proteção. Além disso, ser vegana, diz ela, não é um sacrifício. "A escolha me levou a buscar novas receitas, a provar novos sabores e a descobrir outras formas de usar os alimentos. Fora isso, ter a consciência tranquila é realmente libertador."
Em alguns casos, o próprio organismo rejeita o consumo de carne. É o que relata a médica veterinária Ana Luiza Leroy Alves Marques, 32 anos, que desde criança teve aversão ao consumo de carne vermelha. O gosto e a textura nunca agradaram ao seu paladar. "Cheguei a consumir peixe, frango e embutidos por alguns anos. Aos poucos, e ainda sem consciência nenhuma das questões ambientais e de direito animal, fui enjoando também." Em 2015, ela se tornou ovolactovegetariana, dieta que consiste em consumir ovos, leite e laticínios, além de alimentos de origem vegetal. Finalmente, em 2017, durante o curso de graduação, tornou-se vegana. "Para mim, é uma forma de viver em harmonia com os valores em que acredito: respeito, compaixão e cuidado com o planeta e todos os seres que nele habitam", diz Ana Luiza. Uma decisão que, segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), se baseia em uma escolha ética, saudável, sustentável e socialmente justa.
Bases alimentares da alimentação vegana
- Frutas, verduras e legumes
- Cereais integrais e grãos (arroz, milho, trigo, quinoa, aveia, amaranto, polvilho, etc.)
- Leguminosas (feijões, lentilha, grão-de-bico, soja, ervilha, edamame)
- Oleaginosas (castanhas, amêndoas, nozes, amêndoas, avelãs, amendoim, pistache, etc.)
- Sementes (chia, linhaça, gergelim, semente de abóbora e de girassol, etc.)
- Gorduras e óleos vegetais (abacate, azeitona, coco, azeite virgem, etc.)
Benefícios nutricionais da dieta sem itens de origem animal
- Redução do risco de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas
- Maior consumo de fibras, antioxidantes e fitoquímicos, que promovem saúde intestinal e aumentam a imunidade
- Potencial melhora nos níveis de energia devido à dieta rica em fitoquímicos, vitaminas e minerais
- Dieta anti-inflamatória e antioxidante
Principais erros cometidos
- Deixar de comer alimentos de origem animal e passar a consumir alimentos veganos ultraprocessados e ricos em sódio, açúcares e outros aditivos
- Cair na armadilha de comer só carboidratos
- Não ter acompanhamento nutricional para fazer as suplementações necessárias