Estado de Minas COMPORTAMENTO

Número de pessoas que optam por serem veganas é cada vez maior

Especialistas orientam sobre como adotar este tipo dieta sem déficit nutricional


postado em 21/03/2025 01:44 / atualizado em 21/03/2025 01:48

Para a analista de educação Cláudia Almeida, ser vegana não é um sacrifício:
Para a analista de educação Cláudia Almeida, ser vegana não é um sacrifício: "Comecei a buscar novas receitas, a provar novos sabores e a descobrir outras formas de usar os alimentos. Fora isso, ter a consciência tranquila é realmente libertador" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Iogurte vegano de amêndoas, hambúrguer de grão-de-bico, leite de arroz caseiro, estrogonofe de cogumelos, nhoque de banana-da-terra, maionese de abacate, coxinha de jaca. Nos dias de hoje, uma rápida busca na internet ou pelos cardápios de restaurantes da cidade revela um universo de receitas inovadoras, que provam que é possível comer de forma saborosa e variada sem ingredientes de origem animal. Apesar de algumas dessas combinações ainda causarem estranhamento em muita gente, uma coisa é certa: seja pela saúde, pelo meio ambiente ou pelos animais, o número de pessoas que optam por tirar a carne do prato é cada vez maior. Segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) sobre o assunto, realizada em 2018, 14% da população do país, cerca de 30 milhões de brasileiros, já se consideram vegetarianos. Esse número representa um aumento notável de 75% em comparação com os dados de 2012, indicando uma mudança significativa nos hábitos alimentares. Para essas pessoas, a decisão não significa necessariamente abrir mão do prazer à mesa, pelo contrário, pode ser um convite para explorar novos ingredientes e reinventar o paladar.

De acordo com pesquisa de 2024 da consultoria SkyQuest, o mercado global de alimentos veganos foi avaliado em US$ 20,77 bilhões em 2021 e, até 2030, deve alcançar os US$ 36,3 bilhões

Mas, embora o vegetarianismo esteja presente no Brasil desde 1914, quando o jornalista e poeta paraibano Carlos Dias Fernandes lançou o livro Proteção aos Animais, esse estilo de vida ainda levanta muitas dúvidas, especialmente sobre a viabilidade de uma alimentação de origem apenas vegetal. Seria mesmo possível manter uma dieta equilibrada e saudável? No vegetarianismo, todas as carnes – seja vermelha, frango ou peixe – são excluídas do cardápio, mas existem diferentes vertentes dentro desse universo. Algumas pessoas ainda consomem ovos e laticínios (ovolactovegetarianismo), adotam uma alimentação sem qualquer produto de origem animal (veganismo).

Mais do que uma dieta, o veganismo  é tido como  um estilo de vida, no qual  o consumo e a utilização de qualquer produto advindo da exploração de animais não é admitido, o que inclui alimentos, roupas, calçados e cosméticos. Um movimento usado para pressionar práticas mais humanas nas indústrias.

As gêmeas Gabriela e Rafaela Araújo montaram o Las Tortas Salgadaria Veg, com várias opções de salgados veganos:
As gêmeas Gabriela e Rafaela Araújo montaram o Las Tortas Salgadaria Veg, com várias opções de salgados veganos: "O veganismo me deu a oportunidade de fazer da minha alimentação um ato revolucionário", diz Gabriela (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
No quesito alimentar, os especialistas em nutrição garantem que, com acompanhamento, planejamento e conhecimento, é perfeitamente possível atender às necessidades nutricionais do corpo. Neste sentido, é primordial a orientação de um nutrólogo ou nutricionista. O profissional é capacitado para realizar o programa adequado, otimizar a oferta de nutrientes, pedir exames periódicos e evitar os riscos de deficiências. "A falta de um plano nutricional leva muitas pessoas a suprimir esses alimentos sem substituí-los adequadamente por fontes vegetais, prolongando a carência de proteínas, ferro, zinco, cálcio e vitaminas D e B12", explica o nutrólogo  Rodrigo Wagner Andrade Abreu, do Instituto Abreu.

Por outro lado, diz ele, com a ingestão adequada de proteínas, carboidratos e micronutrientes é possível ser vegano e ser saudável. O primeiro passo é ampliar a consciência e o paladar para descobrir a grande variedade de alimentos disponíveis, entre eles frutas, verduras e legumes. "É um erro muito comum deixar de comer alimentos de origem animal e passar a consumir alimentos sem origem animal, mas ultraprocessados e ricos em sódio, açúcares e outros aditivos", explica o nutricionista Guilherme Discaciati. Para não cair nessa armadilha e nem passar a comer somente carboidrato – e dá-lhe macarrão e batata frita! –  a dica é planejar as refeições semanais sempre incluindo proteínas vegetais (lentilhas, grão-de-bico, tofu, feijão e  ervilha), carboidratos complexos, frutas e vegetais variados.

Com aptidão para a cozinha, as gêmeas Gabriela e Rafaela Araújo, 35 anos, apostam na diversidade dos alimentos. Tanto que decidiram montar o Las Tortas Salgadaria Veg, serviço que disponibiliza várias opções de salgados por encomenda. "Sempre estive envolvida em movimentos sociais e ambientais. O veganismo me deu a oportunidade de fazer da minha alimentação um ato revolucionário, contra a exploração das outras espécies", diz Gabriela. Ela se diverte ao ver o quanto as pessoas ainda ficam chocadas ao comer um hambúrguer de proteína de ervilha ou um churrasco "completo" com direito a linguiça vegetal e se surpreenderem com o sabor. "Basta querer experimentar. Eu realmente vejo essa prática como uma possibilidade de transformar o mundo."

O empresário Rodrigo Figueiredo de Abreu Oliveira, na foto com a gerente comercial Julie Ferreira Campos, largou o emprego de bancário, abriu a fábrica de congelados Veggie Roots e idealizou o festival e feira Paraíso Veg em BH:
O empresário Rodrigo Figueiredo de Abreu Oliveira, na foto com a gerente comercial Julie Ferreira Campos, largou o emprego de bancário, abriu a fábrica de congelados Veggie Roots e idealizou o festival e feira Paraíso Veg em BH: "Ser vegano é algo simples para mim. No self service, por exemplo, sempre tem arroz, feijão e salada" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
A nutricionista e chef de cozinha Pamela Archibusacci Sarkis garante que a culinária vegana pode ser acessível, nutritiva e muito apetitosa. "De maneira geral, a organização esta alimentação segue o mesmo padrão de um plano alimentar comum. O que difere é o objetivo de cada um e a proporção de nutrientes que cada pessoa vai precisar para suprir suas necessidades sem ganhar peso e gordura corporal", diz ela. Sua opinião vai ao encontro da primeira série sobre veganismo exibida em canal aberto na televisão brasileira no início deste ano. Apresentado na TV Brasil, o Quero Ser Veg revelou quais são os principais mitos que envolvem a adoção de uma alimentação totalmente baseada em vegetais.

Entre os temas discutidos estavam o custo da comida vegana, a praticidade no dia a dia, o sabor das refeições, o valor nutricional e a ideia de que o este estilo de vida é apenas uma "modinha". Curiosamente, ao contrário do que a maioria acredita, essa dieta também traz benefícios nutricionais, auxiliando na redução do risco de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas. O maior consumo de fibras, antioxidantes e fitoquímicos promove a saúde intestinal e aumenta a imunidade. Por ser rica em vitaminas e minerais, a dieta também potencializa a melhora nos níveis de energia. "A verdade é que a alimentação vegana é bem simples e tem como base os cinco principais grupos alimentares, que são as frutas, legumes, cereais integrais (arroz, milho e trigo), as leguminosas (feijões, lentilha, grão-de-bico e ervilha) e as oleaginosas (castanhas, amêndoas, nozes e sementes)", explica a nutricionista Maria Júlia Rosa, especialista em medicina vegetariana e nutrição humana, que participou do Congresso de Alimentação Vegetariana, em Portugal, em novembro passado, evento dedicado à discussão científica e sociopolítica da alimentação de base vegetal.

Já para o nutrólogo Adriano Faustino, o mito de que esta dieta é cara não se sustenta. "Caro é comer picanha", brinca ele. O médico lembra que o consumo de carne e outros alimentos de origem animal têm ação inflamatória no organismo, o que não ocorre neste modelo. Outra dica do especialista é a suplementação: "Existem boas fontes de proteína vegana que, quando feitas da maneira correta, só trazem benefícios". 
O empresário  Rodrigo Figueiredo de Abreu Oliveira, 40 anos, sabe bem quais são eles. Em 2018, tornou-se vegano, largou o emprego de bancário e abriu a fábrica de congelados Veggie Roots. Sem se dar por satisfeito, idealizou o Paraíso Veg, festival e feira que acontece mensalmente em Belo Horizonte (confira a agenda em @paraisoveg), que dissemina o estilo de vida e fortalece os produtores da capital mineira e região metropolitana. "Quando mudei a minha dieta, muitos bares só tinham opção de batata frita para quem não come carne", brinca ele. E foi exatamente essa lacuna no mercado que o fez enxergar o potencial que o segmento tem. "Com o tempo, ser vegano se tornou algo simples para mim. No self service, por exemplo, sempre tem arroz, feijão e salada. Com o que economizo no açougue, dá para comprar muito mais alimentos no sacolão."

A médica veterinária Ana Luiza Leroy Alves Marques sempre teve aversão ao consumo de carne vermelha:
A médica veterinária Ana Luiza Leroy Alves Marques sempre teve aversão ao consumo de carne vermelha: "Depois que assisti a um documentário, não consegui comer nem peixe mais; o veganismo é uma forma de viver em harmonia com os valores em que acredito" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Vários movimentos têm incentivado a redução do consumo de carne. No próximo 20 de março, mais uma vez será celebrado o  "MeatOut Day", ou Dia Mundial sem Carne. Criada pela ONG Farm Animal Rights Movement, a data busca promover um debate sobre o consumo de produtos de origem animal. Já o movimento global Veganuary, também adotado no Brasil, incentiva a experiência de passar pelo menos um mês do ano, a começar por janeiro, sem consumir alimentos de origem animal, o que inclui carne, peixe, ovos, leite e mel. A empatia pelas demais espécies leva os veganos a adotar um estilo de vida no qual o uso de couro, lã, seda e a prática de atividades como circos, zoológicos, caça, touradas e rodeios não são aceitáveis.

Somente em 2024, mais de 2,1 mil novos produtos e opções de receitas foram lançados durante o Janeiro Vegano em todo o mundo. De acordo com pesquisa de 2024 da consultoria SkyQuest, o mercado global desses alimentos foi avaliado em US$ 20,77 bilhões em 2021 e, até 2030, deve alcançar os US$ 36,3 bilhões. Mas é necessário fazer um alerta: fique de olho nos rótulos – o fato de o produto ser vegano não necessariamente indica que é saudável. Muitos são ultraprocessados, com muitos químicos, corantes e aromatizantes, o que pode causar prejuízos à saúde. "Comecei o processo de transição para o veganismo em 2008. Primeiro me tornei vegetariana e depois senti que não fazia sentido, dentro do meu propósito, seguir consumindo ou usando produtos de origem animal", diz a analista de educação Cláudia Almeida, 50 anos. Apaixonada por gatos, ela defende que não são apenas os animais tidos como pets que necessitam de cuidado e proteção. Além disso, ser vegana, diz ela, não é um sacrifício. "A escolha me levou a buscar novas receitas, a provar novos sabores e a descobrir outras formas de usar os alimentos. Fora isso, ter a consciência tranquila é realmente libertador."

Em alguns casos, o próprio organismo rejeita o consumo de carne. É o que relata a médica veterinária Ana Luiza Leroy Alves Marques, 32 anos, que desde criança teve aversão ao consumo de carne vermelha. O gosto e a textura nunca agradaram ao seu paladar. "Cheguei a consumir peixe, frango e embutidos por alguns anos. Aos poucos, e ainda sem consciência nenhuma das questões ambientais e de direito animal, fui enjoando também." Em 2015, ela se tornou  ovolactovegetariana, dieta que consiste em consumir ovos, leite e laticínios, além de alimentos de origem vegetal. Finalmente, em 2017, durante o curso de graduação, tornou-se vegana. "Para mim, é uma forma de viver em harmonia com os valores em que acredito: respeito, compaixão e cuidado com o planeta e todos os seres que nele habitam", diz Ana Luiza. Uma decisão que, segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), se baseia em uma escolha ética, saudável, sustentável e socialmente justa.

Bases alimentares da alimentação vegana


  • Frutas, verduras e legumes

  • Cereais integrais e grãos (arroz, milho, trigo, quinoa, aveia, amaranto, polvilho, etc.)

  • Leguminosas (feijões, lentilha, grão-de-bico, soja, ervilha, edamame)
  • Oleaginosas (castanhas, amêndoas, nozes, amêndoas, avelãs, amendoim, pistache, etc.)

  • Sementes (chia, linhaça, gergelim, semente de abóbora e de girassol, etc.)

  • Gorduras e óleos vegetais (abacate, azeitona, coco, azeite virgem, etc.)

Benefícios nutricionais da dieta sem itens de origem animal


  • Redução do risco de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas

  • Maior consumo de fibras, antioxidantes e fitoquímicos, que promovem saúde intestinal e aumentam a imunidade

  • Potencial melhora nos níveis de energia devido à dieta rica em fitoquímicos, vitaminas e minerais

  • Dieta anti-inflamatória e antioxidante

Principais erros cometidos


  • Deixar de comer alimentos de origem animal e passar a consumir alimentos veganos ultraprocessados e ricos em sódio, açúcares e outros aditivos

  • Cair na armadilha de comer só carboidratos

  • Não ter acompanhamento nutricional para fazer as suplementações necessárias

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