Natural de Iturama, no Triângulo Mineiro, Monique relata que enfrentou desafios comuns a brasileiros que não têm condições de arcar com os custos do ensino privado. Vinda de uma família de recursos financeiros limitados e aluna de escola pública, ela lembra que conquistar uma vaga na Universidade Federal de Uberlândia não foi uma tarefa fácil. "Em 2008, o curso de agronomia era muito concorrido e dos 40 alunos aprovados, apenas dois, eu e um outro, não vínhamos do ensino particular. A concorrência realmente era muito desproporcional."
. Durante o curso de mestrado e após assistir a uma palestra de um professor norte-americano seus horizontes se ampliaram. "Foi quando me dei conta de que eu também poderia estudar no exterior por meio das bolsas de estudos. Enfim, aquilo se tornou real pra mim", diz ela. Essa mudança de chave transformou sua história. "Depois que percebi que havia estudantes de várias partes do mundo com bolsas de estudo americanas e quase nenhum brasileiro, decidi compartilhar a minha experiência."
. - Quem é: Monique Ferreira, 36 anos
- Origem: Iturama (MG)
- Formação: Engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Uberlândia, com mestrado em fitotecnia pela mesma instituição. Na Louisiana State University, cursou PhD em entomologia (2014-2018) e pós-doutorado (2018-2019), além de ter trabalhado como pesquisadora de 2017-2021.
. - Carreira: Sócia-fundadora da PHDNOSEUA, empresa de consultoria que ensina como os brasileiros podem estudar e trabalhar legalmente nos Estados Unidos por meio das bolsas oferecidas pelas universidades americanas. De 2017 a 2021 trabalhou no laboratório de pesquisa da Louisiana State University, com projeto de defesa de organismos infestantes com o exército americano e o USDA, departamento de agricultura americano.
Encontro – Vinda de uma família com poucos recursos financeiros, você concluiu o ensino médio no ensino público. Como se deu o seu ingresso na Universidade Federal?
Monique Ferreira – Eu sempre enxerguei nos estudos uma possibilidade de melhorar a minha vida, a dos meus pais e as dos meus dois irmãos mais novos. Mas, sendo estudante de escola pública, sabia que não seria nada fácil conquistar uma vaga na universidade, tendo de concorrer com alunos vindos do ensino privado. Apesar disso, em 2008 consegui ingressar no curso de agronomia, um dos mais concorridos na região. Fui a primeira geração da minha família a ter essa oportunidade. Dos 40 alunos aprovados na época, apenas eu e um colega não havíamos estudado em escola particular. A concorrência realmente era muito desproporcional. Após conquistar a vaga, o desafio era conseguir tirar notas suficientes para passar, tendo em vista que o nosso background de conhecimento havia sido muito fraco.
. O que a levou a querer estudar no exterior?
Após concluir o curso de graduação, infelizmente não consegui colocação no mercado de trabalho. Decidi, então, tentar bolsa para fazer o mestrado. Nesse período, percebi que só quem tinha vivência no exterior conseguia arrumar emprego nas grandes multinacionais do setor, cujo salário poderia mudar a minha realidade de vida, algo pelo qual sempre batalhei. No entanto, acreditava que isso nunca seria possível para mim, tendo em vista a minha condição financeira naquela época. Por outro lado, foram exatamente essas limitações que me fizeram começar a pesquisar e a correr atrás do meu objetivo.
. Quais foram os motivos que, primeiramente, fizeram você acreditar que não seria capaz de realizar o sonho de estudar fora? E o que a fez mudar de visão?
Como a disputa por bolsas de estudos no Brasil é muito acirrada, sempre pensei que por não ter conquistado as melhores notas em meu currículo acadêmico, nem ter fluência em inglês naquela época, eu não seria uma candidata à altura. Minha chave foi virar somente um tempo depois, quando eu tinha 25 anos de idade. Um professor norte americano ia dar uma palestra na sexta-feira à noite. Eu me lembro que a maioria dos alunos não quis participar. Mas, mesmo não estando muito animada, resolvi assistir. A minha sorte foi que o professor falava bem português. A partir dali, tudo mudou. Ele me mostrou que qualquer aluno que se empenhasse poderia conseguir uma bolsa para estudar em uma universidade americana.
. Quando você conseguiu realizar o sonho de estudar nos EUA?
Em 2014, iniciei o PhD em Entomologia na Louisiana State University, em Baton Rouge, nos Estados Unidos. De 2018 a 2019 fiz o pós-doutorado e entre 2017 e 2021 trabalhei como pesquisadora no laboratório da universidade. Foi nesse período que descobri que uma das portas de entrada legais nos EUA são as bolsas de estudo financiadas pelas universidades norte-americanas, que oferecem isenção de mensalidade e salário em dólar para custear as despesas de alunos internacionais. Percebi também que os brasileiros que se encontravam lá não sabiam dessa informação, pois tinham ido por meio de bolsa de estudos brasileira. O que, ao final, acabei descobrindo que traz algumas implicações.
. Apesar de ter conseguido a bolsa de estudos, você teve alguns contratempos, como ter de retornar ao Brasil após a conclusão do doutorado. O que aconteceu?
Acabei cometendo um erro muito comum. Em vez de entrar em contato com alguma universidade americana para saber como proceder, tentei a bolsa junto ao governo brasileiro. O pré-requisito básico é que o aluno retorne ao Brasil assim que o curso for concluído, caso contrário tem de reembolsar o governo brasileiro. Fora isso, nesses casos, os EUA também não nos liberam para ficar. A princípio, isso me pareceu um processo muito natural, só que tudo mudou pra mim. Naquele período eu conheci o meu marido, um estudante australiano, e conquistei um bom emprego. O que acabou tornando a minha volta ao Brasil, em 2021, muito difícil.
. Quando a consultoria PHDNOSEUA foi criada?
A ideia começou em 2019 e se concretizou em 2021, quando retornei ao Brasil e, por exigência do governo brasileiro, tive de permanecer no país por dois anos. Eu me lembro que, quando o meu marido veio me visitar pela primeira vez, com o dólar a quase R$ 6, ele disse: "Meu Deus, eu estou rico". Já no Brasil, eu e a minha sócia, Sara Stofela, natural do Paraná, fundamos a empresa com o objetivo de ensinar como os brasileiros podem estudar e trabalhar nos Estados Unidos por meio das bolsas universitárias, oferecidas pelas próprias universidades estadunidenses.Desde então, já tivemos mais de 3 mil mentorados e alcançamos a soma de mais de R$ 500 milhões em bolsas aprovadas para alunos em diversas universidades nos EUA, entre elas as mais reconhecidas em todo o mundo, como Harvard e Yale. Em 2024, retornei para os EUA e atualmente moro em Louisiana e tenho uma filhinha de 3 meses de idade.
. Durante o seu doutorado você disse que havia estudantes de várias partes do mundo com bolsas de estudo americanas. Por que o mesmo não ocorria com os brasileiros?
Porque, de modo geral, no Brasil não sabemos que existem bolsas das próprias universidades. Não sabemos que as universidades têm muito dinheiro. Cada projeto que o meu orientador de doutorado aprovava, por exemplo, era de cerca de 1 milhão de dólares para um período de dois anos. Com esse dinheiro eles conseguem manter os estudantes para que as pesquisas sejam realizadas. Outra vantagem é que quem se forma nos EUA tem emprego praticamente garantido. Ao contrário do Brasil, onde as pessoas acabam emendando o mestrado e o doutorado justamente por não conseguir boas colocações em suas áreas.
. Quais os requisitos básicos para conseguir uma bolsa de estudos financiada por uma universidade norte-americana?
Na verdade, costumo dizer que atualmente é mais fácil passar em um doutorado nos Estados Unidos do que no Brasil, devido à alta concorrência e à discrepância do ensino público e privado. Nos EUA, as exigências do currículo são reduzidas justamente para que mais pessoas cruas, como eu era, possam ter oportunidade. Obviamente que o pré-requisito básico é ter pelo menos a graduação. Na sequência, deve-se pesquisar universidades que ofereçam o programa de mestrado ou doutorado desejado, verificar os requisitos de candidatura, preparar a documentação necessária, inscrever-se nas universidades escolhidas, pagar a taxa de inscrição e aguardar a aprovação. Por fim, iniciar o processo de obtenção do visto.
. O que inclui as bolsas de estudo americanas?
Inclui a mensalidade da universidade e salário mensal, de acordo com a cidade na qual irá estudar. Um valor real, atualizado e calculado para que o aluno possa pagar com tranquilidade o seu aluguel, alimentação, transporte, entre outras coisas, no período do mestrado, que leva em média dois anos, e do doutorado, que chega a quatro anos. Após o término do curso, a bolsa se encerra e quem desejar permanecer no país precisa começar a pensar no Green Card, visto permanente de imigração que permite a um estrangeiro viver e trabalhar nos Estados Unidos.
. Como funciona a mentoria da PHDNOSEUA?
Nós auxiliamos o estudante em todas as etapas do processo, facilitando o caminho até as universidades americanas por meio dos programas de pós-graduação (PhD e Mestrado) com bolsa 100% e estágio acadêmico e pós-doutorado remunerados. A escassa disponibilidade de mão de obra americana para programas de pesquisa tem feito com que essas oportunidades tenham sido ocupadas, em sua maioria, por asiáticos e europeus. Nosso propósito é colocar, no mínimo, um brasileiro em cada universidade americana com bolsa 100%. Entre as nossas alunas está uma mineira, de Divinópolis, que hoje estuda em Harvard. Imagina ter que pagar por isso?
Como é ser uma das profissionais convidadas para participar da 11ª edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, realizada em abril deste ano, em Boston, Massachusetts, maior evento dedicado à educação acadêmica fora do Brasil?
É uma honra enorme poder compartilhar minha trajetória e conhecimento em uma instituição tão prestigiada. Minha expectativa é inspirar estudantes, mostrando que, independentemente da origem ou das dificuldades, é possível conquistar espaço acadêmico e profissional nos EUA com a estratégia certa.
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