Estado de Minas SAÚDE

Coçar os olhos faz mal e pode causar problemas permanentes à visão

Para conscientizar a população sobre os riscos de um gesto aparentemente inofensivo, oftalmologista brasileiro idealizou a campanha mundial Junho Violeta


postado em 12/06/2023 01:26

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)
Um gesto aparentemente inofensivo, em busca de alívio imediato, pode se transformar em um problema e comprometer severamente a saúde ocular. O ato de coçar os olhos é o principal fator de risco para o agravamento de uma doença mais comum do que se imagina, o ceratocone.

"O ceratocone é uma doença progressiva da córnea que se afina, tem sua curvatura aumentada de forma irregular, podendo assumir o formato de cone em fases avançadas. É bilateral, mas usualmente atinge os olhos de maneira assimétrica. Como consequência, o paciente desenvolve miopia e astigmatismo com irregularidade, o que leva à distorção da visão, com mudanças frequentes do grau", explica o oftalmologista e professor, Renato Ambrósio Jr.

Embora tenha componente genético cada vez mais conhecido, a condição está associada a fatores ambientais, com destaque para as alergias oculares. "O processo alérgico faz com que o indivíduo esfregue frequentemente os olhos, um hábito extremamente danoso que fragiliza a estrutura da córnea, desencadeando ou agravando a doença que ocorre por mecanismo biomecânico. Tal processo vai ocorrer de acordo com a predisposição de cada um, mas devemos promover a recomendação de não coçar os olhos e tratar a alergia ocular com colírios prescritos pelo médico. Se a coceira for muito incômoda, o ideal é apertar um pouco a bolinha no canto dos olhos, a carúncula, para trazer algum alívio. Vale lembrar que dormir fazendo pressão contra os olhos também pode agravar a doença", frisa o especialista em córnea e cirurgia refrativa.

O médico alerta que a conscientização da população é decisiva para a prevenção e o acompanhamento da condição. Raramente o ceratocone pode levar à cegueira, tem tratamento e as chances de sucesso são maiores em casos menos avançados. "No passado, o transplante de córnea seria a única, mas hoje em dia, tornou-se a última opção de cirurgia. Como alternativas ao transplante, destacam-se o implante de segmento de anel intraestromal e as técnicas de cross-linking. O papel da campanha em orientar e educar os pacientes se mostra ainda mais relevante para que o paciente e os familiares entendam o que é preciso e necessário para tomar decisões conscientes e aderir melhor ao tratamento", descreve o oftalmologista.

"Geralmente, o ceratocone tem início a partir dos 10 anos e evolui até cerca de 40 anos, quando costuma se estabilizar naturalmente. No entanto, percebemos pacientes mais jovens podem ter a doença controlada e pacientes mais velhos podem ter uma progressão. Percebemos o papel do hábito de coçar os olhos e o controle das alergias nestes casos. Com isso, destaca-se a importância de fazer consultas com o oftalmologista, a fim de identificar e acompanhar corretamente a doença. Ao diagnosticar o ceratocone em sua fase inicial é possível iniciar o tratamento mais adequado, reduzindo o problema para o paciente e o impacto da doença na família e em toda a sociedade", orienta o médico cirurgião refrativo-cientista e autor do livro "Tenho ceratocone, e agora?" (2019).

O oftalmologista explica que o ceratocone é a doença ectásica (alteração da curvatura da córnea) mais frequente: segundo o Conselho Brasileiros de Oftalmologia (CBO), a cada 100 mil pessoas no mundo, de 4 a 600 desenvolvem a condição. Estamos fazendo estudos para entender a prevalência do ceratocone no Brasil.

"Os avanços nas últimas décadas em diagnose para ceratocone são expressivos, destacando-se os exames complementares de topografia e tomografia de córnea e juntamente com outros testes que compõem a propedêutica multimodal. Diversos estudos, incluindo os nossos, mostram o papel e a importância da inteligência artificial para apoio a decisão clinica por meio de integração de informações", destaca o Professor carioca que criou em 2018 a campanha mundial "Violet June – Global Keratoconus Awareness Campaign", ou "Junho Violeta", considerando a expressiva incidência do problema, com o intuito de levar informação e conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce e de não coçar os olhos.

Tratamento do ceratocone

Até o final dos anos 1990, o transplante de córnea era encarado como a única alternativa para casos avançados da patologia, mas hoje, menos de 20% dos transplantes feitos no Brasil têm como causa o ceratocone, de acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Graças aos constantes avanços da medicina, pacientes podem se beneficiar de técnicas arrojadas e menos invasivas, indicadas de forma individualizada, como esclarece Renato Ambrósio Jr.:

"Os óculos são a primeira forma de tratamento, mas quando deixam de ser eficazes são sugeridas lentes de contato especiais, como as esclerais e Rose K. Contudo, as lentes precisam ser bem adaptadas pelo oftalmologista especializado, caso contrário podem provocar irritação ocular que aumenta o risco de evolução da doença", aponta.

Já as cirurgias são indicadas para estabilizar a condição ou para reabilitação visual, quando os óculos ou as lentes de contato não proporcionaram resultado satisfatório, como observa o oftalmologista. "Destacam-se o cross-linking, que consiste na aplicação de colírio de riboflavina (vitamina B12) e emissão de feixe de luz ultravioleta (UVA) para enrijecer as fibras de colágeno da córnea; e o implante de anel intracorneano, método em que uma órtese, formada por dois semicírculos de acrílico rígido, é implantada no interior da córnea. Seja qual for a abordagem, será definida considerando o grau de irregularidade da córnea e as características de cada olho do paciente", descreve.

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